Em janeiro de 2025 foi submetida a consulta pública pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) uma proposta de revisão do Manual de Procedimentos da Gestão Global do Sistema (MPGGS). Esta revisão visa a implementação de novas regras e ferramentas para a gestão do sistema elétrico, em conformidade com as regulamentações europeias e facilitar a participação de unidades físicas agregadas nos serviços de sistema, assim como a melhor penetração de ativos renováveis nesse mercado. Neste artigo, procuramos realçar algumas dessas modificações e entender de que forma as mesmas podem contribuir para o mercado da agregação de eletricidade em Portugal.
Uma das principais novidades é a simplificação do processo de inscrição de unidades de pequena produção. A este respeito, e para agregação ou representação de instalações de terceiros por Agente de Mercado, o Manual de Procedimentos da Gestão Global do Sistema (MPGGS) já previa uma dispensa da entrega de documentação do proprietário da instalação/contrato de agregação para instalações com potência instalada até 30 kW. Prevê-se agora que esse limite seja estendido até 1 MW.
Por outro lado, esta nova alteração ao MPGGS considera que as regras mais exigentes aplicáveis às unidades físicas de maior dimensão se tornam uma barreira à participação de unidades de menor dimensão, pelo que haverá que definir regras proporcionais à dimensão das instalações. Isto reflete-se nos requisitos técnicos de qualificação dessas unidades, que passam a ser menos apertados. É também agora definido que o Gestor Global do Sistema (GGS) deve publicar requisitos especiais para as unidades físicas agregadas, adaptados à dimensão e características das instalações que as compõem. Outro aspeto fundamental para permitir uma maior rapidez e flexibilidade nas carteiras de agregação (principalmente se compostas de vários ativos de pequena dimensão) é o facto de se propor agora que:
(i) a requalificação da carteira (e os respetivos requisitos de controlo e validação) se deve restringir a aspetos materiais e poder fixar-se um limiar de insensibilidade para alterações sem expressão significativa; e ainda que
(ii) nas alterações de carteira, o ensaio de habilitação se faça por amostragem e que o processo de reabilitação ocorra apenas perante uma variação superior a 25% da potência habilitada da carteira ou se a variação for superior a 10 MW, face à potência pré-qualificada sujeita a um processo de habilitação1.
Outra importante novidade é a utilização de veículos elétricos (EV), como plataformas de participação nos mercados de serviços de sistema. É expressamente reconhecido pela ERSE que a frota de EV em Portugal representa a maior capacidade de armazenamento em baterias de iões de lítio, recurso esse que se encontra subaproveitado, podendo ser aproveitado pelo fator da agregação. Neste sentido, cria-se um incentivo importante para este efeito, pelo facto de agora passar a prever-se a possibilidade de recurso a pontos de medição internos para efeitos da participação em serviços de sistema (após um processo de pré-qualificação). Esta alteração vem ao encontro do que foi estabelecido pelo Regulamento (UE) 2019/943, alterado pelo Regulamento (UE) 2024/1747 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, bem como pelo documento colocado em consulta pública pela ACER sobre o novo código de rede da resposta da procura.
Além disso, a presente revisão do MPGGS promove a participação nos serviços de sistema em modelo de agregação, prevendo regras específicas para esta nova realidade.
Uma das mudanças mais relevantes prende-se com a flexibilização do sistema elétrico, permitindo novos modelos de representação das unidades físicas. Destaca-se, em particular, a possibilidade de um mesmo Balance Service Provider (BSP) representar, num modelo unificado, tanto o consumo de uma instalação, quanto as injeções que possam ocorrer no mesmo ponto de ligação à rede, por exemplo, através de uma UPAC (Unidade de Produção para Autoconsumo) ou de um conjunto de baterias instaladas 'behind-the-meter'.
Até agora, o consumo e a produção eram, em muitos casos, enquadrados separadamente, o que dificultava a programação de ofertas combinadas para aumentar ou reduzir a potência no âmbito dos serviços de sistema. Embora o normal funcionamento do mercado grossista ('day-ahead' e intradiário) continue a exigir a separação das carteiras de consumo e produção, sob a forma de diferentes unidades de programação, a prestação de serviços de sistema pode ser feita de forma agregada. Assim, a mesma instalação poderá cumprir instruções de balanço ora reduzindo o consumo, ora injetando parte da energia armazenada, se tal for tecnicamente viável.
Reconheceu-se, ainda, a possibilidade de uma mesma instalação contar com vários BSPs, cada um com o seu 'Balance Responsible Party' (BRP) associado. Imaginemos, por exemplo, uma indústria que disponha de um autoconsumo solar, um sistema de armazenamento e vários pontos de carregamento de veículos elétricos. Esta indústria pode contratar serviços de sistema com um agregador especializado em armazenamento e contratar, em paralelo, outro agregador para gerir a flexibilidade do consumo e, ainda, ter um comercializador diferente para o fornecimento das suas instalações.
O novo MPGGS prevê que cada BSP seja livre de assumir a responsabilidade sobre uma ou mais áreas de oferta, associadas às tecnologias e ativos efetivos. A consequência prática é que, num mesmo ponto de ligação, podem existir três BSPs, cada qual com o seu BRP distinto, repartindo entre si as oportunidades e obrigações de programar e liquidar os desvios. Se, por um lado, esta alteração pode ter como resultado um aumento na complexidade administrativa, por outro abre caminho a um mercado de agregação mais dinâmico e especializado, fomentando a inovação e a eficiência.
O modelo de tratamento de desvios escolhido para as unidades físicas agregadas é o “não corrigido”, pelo menos numa fase inicial2. Isso significa que, contrariamente ao modelo “corrigido”, a energia mobilizada pelas instalações que respondem à ativação de balanço não é subtraída à programação do seu comercializador. Com este modelo, o comercializador não é diretamente compensado ou penalizado pela ativação de agentes terceiros, e as instalações agregadas em portefólio são liquidadas através do preço de desvio. Sendo um método mais simples, evita onerar os comercializadores com processos de faturação excessivamente complexos, e, segundo a ERSE, para já, a probabilidade de distorções significativas é moderada, pois a dimensão das agregações de pequeno consumo ou produção ainda é comportavelmente reduzida. No entanto, prevê-se que, num futuro não muito distante, este tema possa ser reavaliado, caso se venha a registar um volume expressivo de ativações que gerem vantagens ou ineficiências desproporcionadas para o BRP que não estava consciente da existência de um agregador sobre as instalações da sua carteira.
A revisão do MPGGS exprime uma visão modernizadora e alinhada com os grandes objetivos europeus de liberalização e integração de recursos renováveis. Ao acomodar a participação flexível de pequenas instalações e facilitar o registo de unidades abaixo de 1 MW, promove-se a inclusão ativa de um leque mais amplo de agentes. Por outro lado, a possibilidade de o veículo elétrico vir a injetar energia da respetiva bateria na rede, ou de uma instalação dispor de vários BSPs, revela um passo significativo para soluções verdadeiramente inovadoras de produção descentralizada e procura agregada. Contudo, há desafios técnicos e operacionais que não devem ser menosprezados: a harmonização entre situações como a habilitação simplificada e as disponibilidades de comunicação em tempo real, a coordenação entre mais do que um BSP numa mesma instalação e o registo preciso do consumo ou injeção efetivos diante de uma multiplicidade de contagens internas são exemplos de complexidades que exigirão um acompanhamento atento.
Em suma, o caminho agora traçado por esta alteração aponta para um sistema elétrico mais descentralizado, aberto e flexível, onde o papel da agregação e representação em carteiras mais diversificadas assume especial destaque, permitindo a abertura a um novo mercado, cuja responsabilidade pelo desenvolvimento e implementação no terreno caberá agora à REN como Gestor Global do Sistema.
Se estas disposições forem efetivamente postas em prática, é provável que surjam novos agregadores especializados criando uma concorrência saudável e estimulando a inovação tecnológica.
[1] O que vai ao encontro das recomendações da ACER no seu relatório: Barriers to demand response and other distributed energy resources - 2023 Market Monitoring Report.
[2] Segundo o ponto 134 do Procedimento n.º 26 (Procedimentos de Liquidação), o GGS deve enviar à ERSE, no prazo de um ano após a inscrição da primeira Unidade Física Agregada, um estudo sobre o impacte do modelo não corrigido aplicado às ativações das Unidades Físicas Agregadas, que leve em conta as dinâmicas reais dos preços de desvio e das ativações.
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