Nuno José Ribeiro, Advogado, Pós-Graduado em Direito da Energia.
30/01/2025O valor dos incentivos do Estado Português para a compra de veículos eléctricos em 2025 por particulares e pessoas coletivas é de 10 milhões de euros1. A lógica da economia de mercado ensina-nos que, quando alguém nos paga para consumir um determinado produto, é porque há algo de errado com ele. Note-se que não estamos a falar, por exemplo, de financiar o acesso a bens de consumo essencial, como alguns géneros alimentares, ou de compensar os custos da distância entre o Continente e as Regiões Autónomas, mais sim de bens que o consumidor escolhe comprar num contexto de escolha múltipla e com total liberdade de opção.
Recorda-se que, até ao ano passado, o valor máximo de compra de um carro eléctrico com direito a incentivo era de 62.500€, basicamente o equivalente a cerca de cinco anos do salário mínimo nacional. Acrescem ainda as distorções fiscais a favor dos carros eléctricos, quando comparados com os veículos de combustão e híbridos. Na verdade, os carros 100% eléctricos continuam a estar isentos do pagamento do Imposto sobre Veículos (ISV), assim como do Imposto Único de Circulação (IUC). Já os carros híbridos e híbridos plug-in têm incentivos fiscais diferentes, consoante o tipo de veículo:
Assim, importa perceber a racionalidade de, enquanto contribuintes, pagarmos com os nossos impostos esta distorção do mercado. Ou dito de outra forma, o que é que a sociedade ganha com isto. A resposta dada habitualmente a esta pergunta é a sacrossanta suposta vantagem para o ambiente porque os carros eléctricos não emitem CO2 e, portanto, ajudam a combater as alterações climáticas, nomeadamente o aumento da temperatura.
Sem por em causa nem a ausência de emissão de CO2 pelos carros eléctricos, nem as alterações climáticas, trata-se de uma análise muito limitada da questão por desvaloriza outras questões tais como os custos ocultos dos carros eléctricos, o impacto na rede e os riscos para a soberania e defesa. No canal YouTube circula um vídeo curioso em que se compara os custos de utilização diária durante um ano de um Mercedes 560 SEC dos anos 80 (com motor a gasolina e V8) com os de um moderníssimo Porsche Taycan eléctrico no mesmo período e utilização. Qual deles tem os custos mais baixos de utilização? Errado. É o Mercedes. A explicação para tanto é fácil de dar e tem a ver com os custos ocultos dos carros eléctricos.
Enquanto que os custos de utilização de um carro a combustão são diretos e lineares, pois temos apenas combustível, manutenção e impostos, nos carros eléctricos não é assim. Vejamos a este propósito um interessante artigo da Euronews2 e que alerta exactamente para este tema da disparidade de custos de utilização e até de produção dos veículos eléctricos quando comparados com os dos veículos a combustão. Os problemas apontados são o facto de que “os novos compradores de automóveis que optam por um modelo eléctrico continuam a pagar bastante mais que por um carro a gasolina ou a gasóleo de tamanho semelhante.” A maior perda de valor na revenda.
“Por exemplo, no caso do mercado dos EUA, a Subaru, embora não seja conhecida pelos seus veículos eléctricos, tem um valor médio de revenda de 66% do seu preço novo após cinco anos de utilização. Supondo que um novo Subaru custe US$35, essa queda de preço custará US$ 000 nos primeiros cinco anos, ou US$11 por dia. Entretanto, um Tesla com um preço médio mais elevado irá reter 58% do seu valor após cinco anos (é por isso que a Tesla ocupa o 3º lugar na lista de marcas de automóveis de luxo).
Essa perda também é amplificada quando se trata de carros eléctricos. Aqui estão algumas razões especificas pelas quais os veículos eléctricos se depreciam ao longo dos anos:
Os novos carros eléctricos beneficiam de um crédito fiscal (com certas limitações). Por exemplo, uma vez cancelado este crédito fiscal, o valor de um carro pode cair até 0% quando expira um contrato de ald, renting ou leasing de três anos.
Substituição da bateria: Outra forma de depreciação que só ocorre com veículos eléctricos é que, após um período de uso, a bateria precisa ser trocada. Ao contrário de um carro tradicional, que tem um motor não substituível, a bateria do EV precisa ser substituída quando o veículo chega a um determinado ponto e não consegue mais manter a autonomia original3.
Impostos específicos: Em Portugal, parte dos impostos sobre os combustíveis reverte para a conservação das estradas e das ruas, mas como os carros eléctricos não consumem combustível, alguns países adotam impostos e taxas específicos para os carros eléctricos. É o caso, por exemplo, dos EUA pois como os veículos eléctricos não usam gasolina, os estados impõem taxas de registo adicionais de aproximadamente US$50 a US$200 para veículos eléctricos. Atualmente, a Geórgia tem as taxas mais altas para veículos eléctricos.
Seguros: A maioria das seguradoras de automóveis cobra prémios maiores por carros eléctricos porque custam mais para reparar e substituir e menos oficinas têm pessoal treinado em veículos eléctricos. Como resultado, pagará entre 5 e 20% mais pelo seguro de um carro eléctrico do que pagaria por um carro a gasolina.
Estações de carregamento na estrada: Embora seja certamente mais barato carregar um carro eléctrico do que pagar por um carro a gasolina, a poupança efectiva será significativamente menor se for carregado na estrada e não em casa. O preço dos centros de carregamento públicos varia muito, sendo alguns cobrados em minutos de carregamento e outros em kWh de electricidade utilizada. Embora os carregadores rápidos DC permitam carregar a bateria para 100 quilómetros em 10 minutos, eles também são a opção de carregamento público mais cara. No entanto, a conveniência e o tempo de carregamento também são fatores a serem considerados. Acresce ainda que os carregamentos rápidos reduzem a autonomia e o tempo de duração de uma bateria entre 10% e 20%. Sem esquecer que a capacidade de resposta da rede é limitada, entrando muitas vezes em sobre carga, e tem muitas limitações físicas. Basta lembrar a célebre fotografia de uma imensidão de Tesla à espera de poder carregar, tirada há uns anos na autoestrada do sul. E que há poucos postos de carregamento fora dos centros urbanos.
Carregamentos domésticos: Embora seja, de longe, o método de carregamento mais barato, também apresenta desvantagens. Pode ser mais barato carregar o veículo eléctrico com um carregador de nível 1 usando uma tomada padrão de 120 volts, mas esta opção não é prática caso conduza diariamente, pois esse tipo de carregamento pode levar de 24 a 36 horas em climas frios. Isso significa que os passageiros diários devem ter um carregador de carro eléctrico de nível 2, mais caro e instalado profissionalmente, para um carregamento conveniente durante a noite. Os carregadores de veículos eléctricos normalmente são caros e tem de se pagar pelo carregador e instalação, sendo que os carregadores têm uma vida útil de cerca de 10 anos. Se sua casa precisar de uma atualização elétrica para acomodar um carregador de nível 500, precisará pagar a mais. Além disso, se não houver contadores nas garagens ligados a cada uma das fracções, coloca-se o problema de saber quem paga o quê. Sem esquecer o próprio custo da electricidade.
Redução na autonomia: As baterias dos veículos eléctricos degradam-se com o tempo. Assim, à medida que o seu carro envelhece, uma bateria totalmente carregada permitirá que percorra distâncias mais curtas do que antes. Além disso, o tempo frio afeta o desempenho das baterias dos veículos eléctricos.
Custo de manutenção e reparação: Os veículos eléctricos têm sistemas eléctricos muito mais complexos do que os veículos tradicionais a gasolina. E estes sistemas são muitas vezes muito caros para reparar ou substituir. Além disso, os carros eléctricos muitas vezes têm peças difíceis de encontrar e substituir, o que também pode aumentar o custo real de propriedade de um veículo eléctrico. Em média, num período de três meses, reparar um veículo eléctrico custa o dobro do que reparar um carro a gasolina. Dentro de um ano, o custo do serviço de VE ainda seria mais que o dobro do custo de uma reparação regular de um veículo. O custo médio de reparação nos EUA de um veículo eléctrico é de cerca de US$300 por veículo eléctrico, enquanto um veículo com motor de combustão interna custa em média cerca de US$150.
Outro fator importante nos custos de reparo de veículos eléctricos e no verdadeiro custo total de utilização de um veículo eléctrico é a manutenção da bateria. A maioria funciona com baterias de íons de lítio. Elas são semelhantes às baterias do seu telefone ou laptop, mas são muito maiores. As baterias de íons de lítio degradam-se com o tempo e a vida útil das baterias de veículos eléctricos é normalmente de 10 a 15 anos. Outro custo oculto associado à posse de um carro eléctrico são as peças de reposição. Os veículos eléctricos têm frequentemente peças difíceis de encontrar e substituir, o que pode aumentar o custo de utilização.
Vejamos agora a relação entre mobilidade elétrica e os riscos para a soberania e para a defesa. A primeira observação sobre este ponto é a seguinte: no caso dos combustíveis fósseis, os riscos para a soberania e a defesa são consideravelmente menores porque aqueles combustíveis existem em muitíssimos países no mundo. Portanto, há um risco menor de um Estado ou um comprador institucional ficar dependente de um fornecedor de uma determinada localização. É a vantagem de haver liberdade para escolher, como defende a Escola de Chicago de Milton Friedman e outros.
Contudo, não acontece o mesmo em tudo o que diga respeito a equipamentos e veículos que usem baterias, estando aqui incluída a questão da mobilidade elétrica dada a importância da China enquanto produtor de veículos eléctricos e de baterias e ainda da sua quota de mercado em todo ciclo de extração do lítio, matéria-prima essencial em tudo o que implique baterias. A este propósito retomo um artigo publicado nesta revista há um ano - 'Mobilidade elétrica por terra, mar e ar’ - e no qual se escreveu o seguinte:
Ao crescimento do mercado chinês de veículos eléctricos também não é de todo estranho o próprio aumento da importância da China enquanto produtor de baterias para veículos eléctricos. Porquanto, das 10 maiores fabricantes de baterias para carros eléctricos do mundo, seis são empresas chinesas, as quais no seu conjunto representam 75% de toda a fabricação mundial daquele tipo de equipamentos. E mesmo empresas que não são oriundas da região dependem, de alguma forma, da cadeia produtiva chinesa. Os dados são da consultoria internacional SNE Research.
Mais. Em 2022, 5,4 milhões de carros eléctricos foram matriculados em todo o mundo, dos quais dois terços foram vendidos na China. Estes números são o resultado de um plano de incentivo à eletrificação iniciado em 2009 pelo Governo Chinês que conjuga isenções de impostos aos consumidores com outros tipos de benefícios fiscais aos produtores. Este programa deveria ter terminado em 2015, mas, em função dos resultados, foi continuado sendo a sua dotação orçamental para o período 2024-2038 na ordem de US$72,3 bilhões. Vejamos ainda o gráfico abaixo:
Somando a totalidade das quotas no mercado global do fabrico de baterias detidas por empresas chinesas há três anos, verifica-se que aquele valor correspondia a uns impressionantes 60.4%. Em maio de 2024 já tinha chegado a uns ainda mais impressionantes 85% da capacidade de produção de células de bateria. Mais da metade do processamento global de lítio e cobalto ocorre no país4.
Considerando a orientação geopolítica da China e os seus objectivos de dominação mundial, é evidente que esta dependência funcional causa problemas seríssimos em matéria de segurança e de defesa nacionais e internacionais. Na medida em que esta dependência é claramente uma arma política e militar contra o Ocidente. Está-se assim a repetir o mesmo erro que o Mundo cometeu até à crise petrolífera de 1973, quando dependia quase exclusivamente do petróleo árabe barato, o que levou a passar a depender do fornecimento de países problemáticos, como a então URSS ou a Nigéria. Ou que a Europa, em especial os países do centro e do Leste europeus, cometeram ao assumir de forma ligeira a dependência energética do gás russo, com as consequências que ainda hoje se está a tentar resolver. É que não é boa política resolver uma dependência criando uma outra.
A este propósito, lembro uma canção dos Portishead com Shirley Bassey – ‘History Repeating’ e cuja letra diz assim:
The word is about, there's something evolving
Whatever may come, the world keeps revolving
They say the next big thing is here
That the revolution's near
But to me, it seems quite clear
That it's all just a little bit of history repeating
The newspapers shout, a new style is growing
But it don't know if it's coming or going
There is fashion, there is fad
Some is good, some is bad
And the joke is rather sad
That it's all just a little bit of history repeating
And I've seen it before
And I'll see it again
Yes, I've seen it before
Just little bits of history repeating
Some people won't dance if they don't know who's singing
Why ask your head? It's your hips that are swinging
Life's for us to enjoy
Woman, man, girl, and boy
Feel the pain, feel the joy
And sidestep the little bits of history repeating
And I've seen it before
And I'll see it again
Yes, I've seen it before
Just little bits of history repeating
1 Fonte: https://caetanoretail.pt/blog/incentivos-carros-eletricos-2025/
2Fonte: https://pt.euronews.com/next/2024/10/27/veiculos-eletricos-para-quando-a-paridade-de-precos-com-os-carros-a-combustivel
3Fonte: https://www.eobdcode.com/pt/electricidade/os-custos-ocultos-de-possuir-um-carro-el%C3%A9trico-2/amp/
4 Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/monopolio-chines-na-producao-de-baterias-gera-riscos-globais-diz-agencia/
www.oinstalador.com
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