A integração estratégica do PV com as práticas agrícolas por si só pressupõe potenciais incrementos ao nível da resiliência ecológica, da promoção da biodiversidade e na produtividade dos terrenos.
No âmbito da Diretiva Energias Renováveis (RED III), os Estados-Membros devem, até 25 de maio de 2025, realizar um levantamento para a implantação de centrais de energias renováveis no seu território, necessárias para cumprir os contributos nacionais para a meta global da União Europeia em matéria de energias renováveis para 2030. Neste sentido, os Estados-Membros devem explorar, permitir e favorecer as utilizações múltiplas das zonas identificadas, ou seja, garantir que diferentes utilizações e atividades sejam compatíveis entre si e possam coexistir, para tal e sempre que necessário, facilitando alterações à utilização do solo e do mar.
Portugal, com elevado nível de recurso energético renovável, está comprometido com ambiciosas metas para o seu aproveitamento até 2030. Contudo, à medida que o país se torna mais experiente no campo das renováveis, novas condicionantes ao seu crescimento têm surgido. Uma delas prende-se com a (aparente) incompatibilidade de interesses no uso das áreas, onde as atividades e classificações correntes das mesmas coincidem em grande parte com a localização do maior potencial renovável.
Ao contrário de muitos países europeus, Portugal apresenta, no largo espectro, um histórico de pouca contestação no caminho já traçado no desenvolvimento de grandes aproveitamentos hidroelétricos e também na expansão das turbinas eólicas. No atual crescimento do solar fotovoltaico, têm surgido legitimas preocupações dos atores envolvidos, relacionadas com alterações substanciais no ecossistema e na paisagem. Contudo, aos poucos o solar fotovoltaico começa a surgir com um portfólio relevante, já com 4,93 GW, mas enfrenta novos desafios decorrentes das suas especificidades.
No entanto, é relevante realçar que, ao contrário das outras tecnologias, as instalações fotovoltaicas podem explorar a sua versatilidade e modularidade. Por exemplo, a instalação de fotovoltaico em parques de estacionamento (comumente designado de carport) é um excelente exemplo da multifuncionalidade que esta tecnologia adquire quando aliada a outras atividades, neste caso a mobilidade. Porém, também as áreas de atividade agrícola (zonas intervencionadas pela mão humana e onde os solos estão altamente sujeitos a degradação) revelam um alto potencial sinergético por explorar: a solução chama-se agrisolar.
Apesar do agrisolar ser um termo relativamente inovador no contexto português, esta prática já é explorada há alguns anos em vários países europeus, tendo sido mencionada pela primeira vez em contexto legal em Itália em 2012. Uma década mais tarde, muito devido às exigências da RED III e à pressão imposta pelas metas estabelecidas nos Planos Nacionais de Energia e Clima para 2030 (PNEC) dos vários países, o agrisolar beneficia de uma disseminação sem precedentes. Contudo, não havendo ainda uma definição consensual dos critérios para a classificação de um projeto como agriPV, nem sequer uma regulação clara da atividade, verifica-se um uso abusivo do termo em certos casos de projetos descontextualizados e onde não há o envolvimento de um produtor agrícola nem qualquer atividade do género – critério fundamental no agrisolar!
Através de configurações que aproveitam uma única área tanto para a produção agrícola como para a geração de eletricidade solar, permite-se a inovação tecno-ecológica nas práticas agrícolas e um aumento na eficiência geral do uso do solo.
Os arquétipos de soluções agrisolares (Figura 1) podem ser definidos consoante o tipo de prática agrícola em questão e tendo em conta a classificação de usos do solo, onde o PV é instalado de formamais harmoniosa, eficaz e sinergética possível com a atividade agrícola.
Não existindo uma tradução oficial para português dos termos em inglês, os arquétipos podem ser entendidos como:
• Terra arável em cultura principal
i) PV elevado (hortícolas)
ii) PV em fileiras (safra)
iii) PV proporcionando serviços de ecossistema (pastos);
• Culturas permanentes
i) PV elevado (frutos)
ii) PV em fileiras (frutos)
iii) PV proporcionando serviços de ecossistema (prados);
• Prados e pastagens permanentes
i) PV elevado (pastoreio de grande porte)
ii) PV em fileiras (pastoreio de pequeno porte)
iii) PV em campos de feno;
• Culturas protegidas
i) PV em estufas;
ii) PV em edificações agrícolas.
Diversos modelos de negócio são possíveis de aplicar num projeto agrisolar, dependendo do regime de propriedade do sistema PV e da gestão das atividades agrícolas, entre outros aspetos. Sem prejuízo de nuances caso-a-caso e do envolvimento de terceiros, são essencialmente três os modelos:
• produtor de energia detém e opera o projeto agri-PV, em acordo com um agricultor (mais comum);
• agricultor detém e opera o projeto agri-PV (pequenos produtores);
• consórcio entre agricultor e produtor de energia (mais inovador).
Em qualquer dos modelos referidos, é sempre o agricultor que fica encarregue da gestão das atividades agrícolas, mas variando entre eles a responsabilidade em aspetos como a administração de custos e riscos, geração de proveitos e benefícios, e a gestão do sistema PV. Deste modo, todos são aplicáveis desde a pequena à grande escala, à exceção do modelo de total propriedade e gestão pelo agricultor que, dados os conhecimentos técnicos específicos necessários à componente solar, é viável apenas numa pequena escala.
Sendo que o produtor de energia irá obter receitas através da venda da eletricidade, o agricultor (ou o proprietário do terreno) poderá aderir a outros esquemas. Desde os mais tradicionais, como a exploração e venda da produção agrícola, até outras fontes complementares, como rendas pela utilização dos terrenos por terceiros (fixas ou conforme a potência instalada ou a energia produzida), podem ser aproveitadas durante a fase de operação do projeto agrisolar. Também durante a fase de construção é possível aplicar uma remuneração que possa compensar o agricultor por quaisquer quebras na atividade produtiva. Além disto, o agricultor pode ainda ser contratado para fins de manutenção (p.e. controle de vegetação ou limpeza de módulos), ou receber novos equipamentos e infraestruturas (p.e. sistemas de irrigação ou remoção de amianto), assim como obter reduções na sua fatura través do autoconsumo ou beneficiar de receitas adicionais caso invista no projeto, por exemplo, através de crowdfunding aberto ao investimento comunitário.
Embora alguns aspetos sejam já promovidos em certas configurações de centrais fotovoltaicas convencionais, a integração estratégica do PV com as práticas agrícolas por si só pressupõe potenciais incrementos ao nível da resiliência ecológica, da promoção da biodiversidade e na produtividade dos terrenos. Mesmo não existindo ainda registos suficientes que permitam verificar toda a gama de benefícios, dependendo do tipo de agricultura praticado e da configuração do sistema PV, poder-se-á registar uma maior presença de espécies vegetais e florais no local, atrair e abrigar a fauna local (em particular polinizadores), reduzir perturbações no solo e aumentar a sua capacidade de captura de CO2 e de retenção de água. Por outro lado, além de proporcionar a formação de um microclima que estimule o crescimento de alguns tipos de culturas, a zona por debaixo dos painéis proporciona proteção às culturas contra eventos climáticos, irradiação solar e temperatura excessivas, e ajuda a reduzir a evapotranspiração.
Claro está que diferentes espécies cultivares exigem requisitos ambientais distintos para uma maior produtividade ou para a manifestação de determinadas características (p.e. produção de vinho), pelo que o dimensionamento cuidado é essencial para o sucesso do projeto agrisolar. O arranjo e espaçamento entre módulos e a possibilidade de controlar a sua inclinação é um dos fatores cruciais a ter em conta, dado que impacta diretamente na quantidade de radiação solar que incide nas culturas. Contudo, medidas adicionais devem ser aplicadas para minimizar outros riscos inerentes a este tipo de iniciativa. Evitar escavações excessivas e uso de produtos nocivos na fase de instalação, introduzir elementos de paisagem para aliviar o efeito de fragmentação de habitat, e monitorizar continuamente variáveis relacionadas com as espécies e o ambiente, assim como de microclima que possam atrair pragas, são algumas medidas de mitigação a considerar.
É ainda de referir que, pela relativa complexidade acrescida, é expectável que o tempo de retorno do investimento num projeto agrisolar seja superior, comparativamente a uma central PV convencional. Assim, torna-se essencial implementar um esquema de receitas diverso que possa colmatar o risco de níveis de produção elétrica e/ou agrícola inferiores aos estimados, além de serem potencialmente necessários apoios externos que garantam a sua rentabilidade – pelo menos numa fase em que a prática do agrisolar está ainda a amadurecer.
Embora não haja ainda um reconhecimento oficial do agrisolar em Portugal, existem já alguns exemplos recentes bons candidatos a tal classificação no futuro. Na Figura 2, ilustram-se algumas iniciativas de projetos agrisolar com sistemas do tipo:
A. “PV elevado sobre hortícolas", um protótipo de investigação instalado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa;
B. “PV elevado sobre pastagens”, situado na Herdade do Trolho, Monte do Pasto;
C. “PV elevado sobre vinhas”, uma instalação recente no Instituto Superior de Agronomia;
D. “PV proporcionando serviços de sistema”, explorando sinergias entre o pastoreio de gado ovino e a prática de apicultura, na Central Algeruz II.
(Fontes: Image4All 2023, Agência Lusa 2023, GoogleEarth 2024, Iberdrola 2023)
Ainda de fazer referência aos projetos FruitPV, onde será implementado e monitorizado um sistema do tipo “PV elevado sobre pomares” em Alcobaça, e AgroVoltep que explorará o conceito de Zona Tecnológica Livre para testar soluções inovadoras em Évora. Para além os exemplos referidos, outros haverá em território nacional que encaixem nos princípios do agrisolar e cuja evolução vale a pena acompanhar de perto.
Por fim, é igualmente de notar os esforços a nível internacional para identificar e mapear as iniciativas agrisolares (p.e. o mapa digital da SolarPower Europe), assim como a organização de grupos de trabalho e associações que juntam os principais stakeholders da academia, indústria, entidades públicas e sociedade civil (p.e. o Agrivoltaics Action Group da IEA-PVPS) na coordenação de esforços pela divulgação, discussão e adoção do agrisolar. Sendo que cada país tem/irá ter a suas regras, em Portugal, algumas questões fundamentais terão que ser revistas de forma a alavancar esta solução, nomeadamente o estatuto de Reserva Agrícola Nacional (RAN), onde atualmente não é permitida a realização de projetos de energias renováveis.
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