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Qualidade do ar interior um dos principais riscos ambientais para a saúde pública

Ana Ferreira, Vice-Presidente do IPC *04/07/2023
Apesar do declínio da poluição atmosférica, fruto das medidas preventivas levadas a cabo, esta mantém-se como um considerável risco para a saúde, sendo responsável na Europa, em cada década, por centenas de milhares de mortes prematuras.
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A boa qualidade do ar que respiramos é considerada um requisito básico para a saúde e para o bem-estar humano. E os efeitos são facilmente entendidos se nos lembrarmos que cada organismo humano precisa, diariamente, de 10 a 20m3 de ar respirável. No último século, para além das fontes emissoras naturais, com o começo da era industrial e o desenvolvimento da tecnologia, confirmou-se um apreciável incremento da poluição atmosférica antropogénica, através das elevadas quantidades de poluentes lançados na atmosfera. A inclusão de diversas medidas preventivas sustentadas por amplas aprovações políticas internacionais, aplicadas e adotadas quer na indústria, quer na produção energética, quer nos transportes, quer nos próprios hábitos dos cidadãos, levou a um declínio da poluição atmosférica. No entanto, mantém-se como um considerável risco para a saúde, sendo responsável na Europa, em cada década, por centenas de milhares de mortes prematuras.
Não há dúvidas de que o presente e gradual paradigma de consumo tem consequências no ambiente que inevitavelmente se refletem na saúde humana. Mas se a contaminação atmosférica justifica legítimas apreensões, devemos recordar que a qualidade do ar interior (QAI) é um dos principais riscos ambientais para a saúde pública. O nível de poluição do ar interior é muitas vezes superior ao do ar exterior, com concentrações que podem atingir valores duas a cinco vezes, eventualmente até cem vezes, mais que as observadas na envolvente dos edifícios. Os níveis de contaminação do ar interior adquirem maior pertinência quando se considera que as pessoas passam cerca de 80% a 90% do seu tempo em ambientes interiores.
Cada vez mais, a sociedade passa grande parte do seu dia em ambientes fechados, tornando estes níveis de contaminação de grande importância. Facto agravado, em situação de pandemia mundial, devido ao surto causado pelo SARS-CoV-2. A população permaneceu muito mais tempo dentro dos edifícios devido ao período de isolamento social estipulado, estando, assim, mais exposta a eventuais poluentes do ar interior. A exposição prolongada a estes poluentes pode causar o aparecimento de um conjunto de sintomas, que se podem exacerbar à medida que a exposição se prolonga. Indivíduos com problemas respiratórios podem ser especialmente suscetíveis a esta exposição.
Durante os últimos anos, tem havido um interesse crescente em compreender a interação do ambiente construído e dos ocupantes humanos em termos de saúde e bem-estar. Se os ocupantes forem expostos a pobre QAI, esta pode afetar o desempenho, conforto e produtividade. As condições existentes nos edifícios que as acolhem podem condicionar a prevalência de sintomas e patologias, respiratórias e alérgicas.
Importa realçar que a poluição interior contribuirá para a exposição humana global, que se poderá entender como uma combinação entre a exposição atmosférica local e os microambientes a que cada indivíduo está exposto, quer seja na escola, no local de trabalho, em espaços comerciais e, particularmente, na habitação, dado corresponder a um período de exposição que, em cada dia, pode ser muito apreciável. Para além da influência dos poluentes do ambiente exterior, como variadas fontes emissoras no interior dos edifícios, destaca-se o consumo de tabaco, a queima de combustíveis, os materiais usados na construção, no mobiliário, na decoração e na manutenção dos espaços, produtos usados pelos moradores, entre muitos outros.
Muitos estudos referem associações fortes entre contaminação por poluentes em edifícios e problemas de saúde, nomeadamente, alérgicos, existindo um grande número de fatores ambientais no interior das habitações, para além dos alergénios, como a humidade e a temperatura do ar, os compostos orgânicos voláteis (COV) e as partículas em suspensão que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), têm significativos efeitos prejudiciais para a saúde humana.

O papel do conforto térmico

Existem diversos estudos que afirmam que muitas doenças e também a morte (exposição a longo prazo), estão relacionadas com a inalação de poluentes do ar interior. A grande maioria dos poluentes do ar contribui para esses efeitos negativos na saúde humana devido à sua natureza particulada, especialmente quando o diâmetro das partículas tende a ser muito pequeno, pois podem alojar-se nos alvéolos pulmonares e rapidamente passar para a corrente sanguínea. Destacam-se dois grupos de fontes de poluição: as atividades antropogénicas internas e o ar ambiente exterior, infiltrado ou usado para ventilação. Fontes internas típicas comuns referem-se às atividades dos ocupantes, como cozinhar (em particular fritar), perfurar, fumar, queimar incenso, aquecimento central, ar condicionado e queima de lenha para lareira. Nos locais de trabalho, as fontes internas dependem das características específicas das atividades relevantes que ocorrem (apenas) durante o horário de trabalho e dependem da utilização de vários equipamentos mecânicos e elétricos que causam emissões, e/ou o número de ocupantes e seu movimento causando ressuspensão das partículas. A qualidade do ar exterior também pode afetar o ambiente interno do local de trabalho por meio da ventilação.
Temos de referir que o conforto térmico desempenha um papel significativo na produtividade dos ocupantes de qualquer ambiente interno, e elevados graus de desconforto térmico podem resultar em perda de produtividade. É importante dar a devida atenção às necessidades individuais, nomeadamente nos espaços onde estão a trabalhar várias pessoas em simultâneo, como nos espaços “open space”.
Melhorar a QAI ajudará a proteger a saúde humana, reduzir o absentismo ao trabalho causada por doenças, e evitar perdas económicas causadas por tratamentos médicos e hospitalares. Vários estudos indicam que os poluentes do ar em edifícios mais comuns são, as partículas, o formaldeído (CH2O), COV, dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), bactérias e fungos transportados pelo ar.
Os níveis de concentração de aldeídos, entre os quais o formaldeído, são, na maioria das vezes, superiores em ambientes interiores (duas a cinco, ocasionalmente, cem vezes) quando comparados com ambientes exteriores, um facto com origem nas transformações introduzidas na construção dos edifícios, com o intuito de promoverem o seu isolamento e estanquicidade e, consequentemente, minimizar os consumos energéticos. Esta situação terá, inclusivamente, contribuído para que a Environmental Protection Agency, dos Estados Unidos, tenha vindo a classificar os problemas de QAI entre os principais riscos para a saúde pública e, desde 1988, considerar o formaldeído como um dos principais poluentes do ar interior. O formaldeído é classificado, desde 2006, como cancerígeno pela Internacional Agency of Research on Cancer. O efeito mais evidente para a saúde apresentado é a ação irritante sobre os olhos e o aparelho respiratório superior. As concentrações de formaldeído em ambientes interiores são fortemente influenciadas pelas características dos edifícios, designadamente, pela ventilação, pelo revestimento e acabamentos usados e pela decoração; a estacão do ano (considerando que o aumento da temperatura e a humidade fomentam a volatilização do formaldeído) e, também, as fontes de ar exterior.
No início da pandemia COVID- 19, aquando do confinamento obrigatório, a qualidade do ar exterior das cidades melhorou, mas a exposição da população aos poluentes internos foi geralmente mais aguda e prolongada. Devido principalmente à preocupação com a economia de energia doméstica, a falta de ventilação adequada e o uso mais intensivo de produtos de limpeza e desinfetantes durante a pandemia COVID-19, os níveis de poluentes internos eram normalmente mais altos do que os compatíveis com ambientes saudáveis.

Portugal tem esta área de qualidade do ar interior acautelada em termos legislativos, no entanto, parece-me que o governo terá de investir mais nesta área. Por exemplo, determinados edifícios como estabelecimentos escolares, creches e estruturas residenciais para pessoas idosas estão sujeitos a uma avaliação simplificada anual de requisitos relacionados com a qualidade do ar interior, a realizar por Técnicos de Saúde Ambiental.

A questão preocupante e que leva a que muito poucos estabelecimentos até o momento tenham sido alvo de avaliação prende-se com duas questões essenciais: a primeira é que são os proprietários/responsáveis, que solicitam às entidades competentes pela fiscalização, a verificação da conformidade, com vista à deteção de eventuais desconformidades no âmbito dos limiares de proteção e condições de referência. E a segunda é que muito poucos Técnicos de Saúde Ambiental (integrados em equipas com médicos de saúde pública e com outros profissionais de saúde) têm nas Administrações Regionais de Saúde (ARS) à sua disposição equipamentos de avaliação da QAI.
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Atuar de forma preventiva

Sobre isto, dizer que do ponto de vista de saúde pública, e dada a carga nociva dos vários poluentes, a principal preocupação deve ser o controlo das fontes de emissão, que têm origem no interior dos edifícios. De facto, se atuássemos preventivamente, fazendo abordagens específicas, fazendo estudos epidemiológicos, poupar-se-iam muitos recursos financeiros, o absentismo poderia diminuir, a produtividade aumentar, e claro melhoraria a saúde e qualidade de vida das pessoas.
É fundamental que, nos mais diversos edifícios, nomeadamente nas habitações e nos locais de trabalho, se procedam a melhorias estruturais e funcionais e se realizem monitorizações regulares para não expor os trabalhadores e os restantes ocupantes dos edifícios a situações de risco. É importante, também, melhorar os sistemas de renovação de ar, de modo a tornar esta renovação mais eficiente e eficaz. Deverá existir uma preocupação com uma adequada exposição solar, no sentido de evitar o aparecimento de bolores e de humidade, bem como com a realização de ações de sensibilização, informação e formação a todos os trabalhadores para que estes alterem os seus comportamentos para outros mais saudáveis, nomeadamente, ventilando e arejando constantemente todos os espaços dos edifícios.
Existe a necessidade de um crescimento substancial da investigação nesta área de conhecimento, dado o relevante aumento de prevalência e gravidade de doenças que podem estar relacionadas com os agentes que influenciam a qualidade do ar interior.
A QAI deverá ser uma preocupação prioritária para o governo e para todos os profissionais que trabalham na área da Saúde Pública, Saúde Ambiental e da Segurança e Saúde do Trabalho. Tendo em consideração que o teletrabalho, muito provavelmente veio para ficar na vida de muitos profissionais, nomeadamente daqueles em que as funções o permitam, é necessário intensificar esforços no desenvolvimento de metodologias dos agentes condicionantes dos poluentes do ar que interferem na saúde humana, de forma a criar ferramentas eficazes no âmbito da saúde pública, saúde ambiental e segurança e saúde no trabalho, permitindo a elaboração de políticas na área da qualidade do ar interior.
É fundamental um planeamento estratégico em termos de ordenamento do território por forma a optar corretamente pelo local de implantação de um novo edifício, permitindo assim, serem estabelecidos programas de controlo e prevenção das consequências para a saúde dos ocupantes destes ambientes.
*Vice-Presidente do IPC

Professora Coordenadora na área de Saúde Ambiental da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Politécnico de Coimbra

Investigadora na área de qualidade do ar interior

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