Efcis - Comércio Internacional, S.A.
Informação profissional do setor das instalações em Portugal

Hídrica: aliada renovável sob ataque das alterações climáticas

Inês Reis Gaspar, Future Energy Leaders Portugal/Associação Portuguesa da Energia05/06/2023
A energia hídrica, maior fonte de geração renovável da Europa, sofreu as consequências da seca em 2022. O acontecimento não é inédito, mas o momento foi particularmente inoportuno.
Imagen
Após a invasão da Ucrânia, os preços da energia dispararam: as reduções no fornecimento de gás pela Rússia aumentaram significativamente os preços do gás natural e, consequentemente, os preços da eletricidade, visto que as centrais térmicas costumam definir os preços nos mercados de eletricidade marginalistas.

Para além disso, a produção de energia nuclear em França foi prejudicada por trabalhos de manutenção e reparações, bem como pelos baixos níveis de água dos rios usados para arrefecimento. Como consequência da redução na disponibilidade hidroelétrica na Europa e da situação nuclear, uma maior produção térmica foi necessária para a substituição da hídrica, aumentando ainda mais os preços.

Em Portugal, a produção hidroelétrica é uma das mais relevantes para o sistema. Historicamente representa entre 13-28% do consumo anual, dependendo da variabilidade hídrica (Figura 1), avaliada através do índice de produtibilidade hidroelétrica. Este indicador quantifica o desvio de produção hídrica em relação a um regime hidrológico médio (a média histórica seria 1). Num ano seco, como 2022, o índice foi de 0.631. Como tal, a hídrica representou apenas 13% do consumo e foi substituída principalmente por fontes não renováveis e importações. Esta variabilidade impactou negativamente os preços da eletricidade.

Figura 1 – Índice de produtibilidade hidroelétrica e abastecimento do consumo anual por tecnologias (hídrica, outras renováveis...
Figura 1 – Índice de produtibilidade hidroelétrica e abastecimento do consumo anual por tecnologias (hídrica, outras renováveis, não renováveis e importações) de 2015 a 2022. Fonte: REN.
Há vários tipos de centrais hídricas: de fio d’água (não controláveis), com reservatório e com bombagem. Relativamente às centrais com reservatório, há duas variáveis a considerar: a capacidade de geração e o nível dos reservatórios.
Até outubro de 2022, a geração hídrica estava abaixo da faixa dos últimos 6 anos e os níveis de água 52% abaixo da média (Figura 2). No entanto, não foi apenas o clima que restringiu a geração hídrica: os reservatórios já tinham começado o ano fora da faixa histórica, 33% abaixo do mínimo dos últimos seis anos.
No segundo semestre de 2021, os preços da eletricidade começaram a subir acentuadamente à medida que os preços do gás disparavam. Ao decidir quanta água libertar, os operadores das hídricas consideram os preços atuais e futuros da eletricidade: o custo de oportunidade. O custo de oportunidade é complexo devido à incerteza de afluências futuras: se os preços forem elevados, há um incentivo para gerar mais eletricidade e obter um maior lucro. Não obstante, com falta de pluviosidade, os reservatórios encontravam-se abaixo do nível normal, reduzindo o potencial para gerar energia ao longo de 2022.
Figura 2 – Produção hídrica e nível dos reservatórios portugueses mensalmente (2015-2022). Fonte: ENTSO-E
Figura 2 – Produção hídrica e nível dos reservatórios portugueses mensalmente (2015-2022). Fonte: ENTSO-E.

Perante a situação, o Governo português ordenou a suspensão da produção de eletricidade em 15 barragens2. Esta intervenção, juntamente com a afortunada precipitação no fim de 2022, permitiram que os reservatórios recuperassem os seus níveis típicos.

Embora este ano de 2023 se tenha iniciado com uma situação de pluviosidade favorável, com a hídrica a representar 34% do consumo3, a Comissão Europeia já alertou para a possibilidade de um verão ainda mais seco que o anterior. De acordo com o relatório4, devido a um “inverno excecionalmente seco e quente, a humidade do solo e o fluxo dos rios apresentam anomalias significativas”.

A longo prazo, as mudanças climáticas ameaçam reduzir a disponibilidade de recursos de água e exacerbar flutuações sazonais. Como tal, espera-se que a frequência e intensidade dos eventos de seca sejam crescentes. De acordo com o Relatório de Ameaças Ecológicas5, prevê-se que vários países entrem em stress hídrico até 2040, incluindo Portugal. De acordo com este relatório, Portugal ocupa o 6º lugar mundial relativamente à falta de água e à dependência energética, com 69% da energia importada de países politicamente instáveis.

No contexto de alterações climáticas, há uma necessidade iminente de reduzir as emissões de CO2 e as centrais hídricas continuarão a ter um papel relevante no sistema português. Todavia, tal como destacado no Guia de Resiliência da Associação Internacional de Hidroelétrica6, é necessário investir em melhorias nas centrais existentes, nomeadamente aumentando o seu desempenho ambiental e resiliência climática, tanto com estratégias (introdução de sistemas de alerta precoce e de padrões climáticos) como redesenhando infraestruturas (i.e., adequar turbinas aos novos fluxos esperados, construir instalações de controlo de sedimento, modificar capacidades de descarga). Investidores, operadores e governos (que planeiam, licenciam e regulam os projetos) podem recorrer a ferramentas de risco hídrico combinadas com avanços de software, por exemplo, modelos clássicos de previsão hidrológica7 combinados com redes neuronais, calibrados com dados de centenas de centrais para refinar previsões.

Para além disso, as centrais com bombagem são uma alternativa de destaque para colmatar os desafios listados. Com 3.5 GW de potência instalada em Portugal, estas instalações são a solução mais madura para proporcionar flexibilidade. Tal como recomendado pela Comissão8, o armazenamento é fundamental para descarbonizar o sistema, permitindo que a eletricidade seja usada quando necessária, aumentando a penetração de renováveis e reduzindo preços para os consumidores.

Após os últimos dois anos, há uma lição aprendida. Investir numa carteira de tecnologias com caraterísticas distintas é a solução para um sistema elétrico resiliente e descarbonizado: a matriz energética do futuro será diversificada.

1 Com o índice mais baixo desde 1971 alcançado em junho (0.24).

2 Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2022, (https://dre.pt/dre/detalhe/resolucao-conselho-ministros/82-2022-201509699)

3 De janeiro a março, inclusive.

4 Drought in Europe March 2023, European Commission’s Joint Research Centre https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC133025

5 Ecological Threat Report 2022, Institute for Economics & Peace - (https://www.visionofhumanity.org/wp-content/uploads/2022/10/ETR-2022-Web-V1.pdf)

6 International Hydropower Association - Hydropower Sector Climate Resilience Guide

7 Delft Flood Early Warning System; HEC Suite of Hydrologic, Hydraulic, and River Operations Models; MIKE Suite, RiverWare.

8 Recomendação da Comissão de 14 de março de 2023 relativa ao armazenamento de energia - apoiar um sistema energético da UE descarbonizado e seguro (2023/C 103/01)

(https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32023H0320(01)&from=EN)

REVISTAS

Profei, S.L.VulcanoInduglobal - Encontros ProfissionaisSiga-nosLisboa Feiras, Congressos e Eventos / Associação Empresarial (Smart Cities Summit - Fil - Tektónica)

Media Partners

NEWSLETTERS

  • Newsletter O Instalador

    25/03/2024

  • Newsletter O Instalador

    18/03/2024

Subscrever gratuitamente a Newsletter semanal - Ver exemplo

Password

Marcar todos

Autorizo o envio de newsletters e informações de interempresas.net

Autorizo o envio de comunicações de terceiros via interempresas.net

Li e aceito as condições do Aviso legal e da Política de Proteção de Dados

Responsable: Interempresas Media, S.L.U. Finalidades: Assinatura da(s) nossa(s) newsletter(s). Gerenciamento de contas de usuários. Envio de e-mails relacionados a ele ou relacionados a interesses semelhantes ou associados.Conservação: durante o relacionamento com você, ou enquanto for necessário para realizar os propósitos especificados. Atribuição: Os dados podem ser transferidos para outras empresas do grupo por motivos de gestão interna. Derechos: Acceso, rectificación, oposición, supresión, portabilidad, limitación del tratatamiento y decisiones automatizadas: entre em contato com nosso DPO. Si considera que el tratamiento no se ajusta a la normativa vigente, puede presentar reclamación ante la AEPD. Mais informação: Política de Proteção de Dados

www.oinstalador.com

O Instalador - Informação profissional do setor das instalações em Portugal

Estatuto Editorial