O reconhecimento da cadeia de valor do hidrogénio verde tem sido acentuado na última década, e já não existem dúvidas de que terá um papel preponderante no mix energético. A tecnologia evoluiu, tanto na produção, como no transporte e armazenamento, e será cada vez mais central para garantir a descarbonização dos setores “hard-to-abate” e, no setor da eletricidade, gerar renovável “despachável”. A invasão da Ucrânia pela Rússia veio também acelerar esta evolução, ao expor a importância da segurança e independência energética.
O lançamento do pacote REPowerEU (a resposta da UE à referida invasão) apresentou novas metas europeias para o hidrogénio, mais ambiciosas relativamente às anteriores, ao definir o objetivo de, até 2030, produzir internamente 10 milhões de toneladas de hidrogénio renovável, e outros 10 milhões de toneladas de importações. Para isso, a Comissão Europeia disponibilizou 27 mil milhões de euros para investimentos diretos em eletrolisadores e distribuição de hidrogénio na União Europeia.
Em setembro, a ambição da Europa foi assumida pelo Parlamento Europeu, com a aprovação da alteração da RED II (Renewable Energy Directive), para introduzir metas vinculativas para o hidrogénio renovável e seus derivados, estabelecendo os objetivos de que 5,7% da energia no setor dos transportes seja proveniente de combustíveis renováveis de origem não biológica até 2030, e 75% de incorporação na indústria até 2035.
Para garantir que a Europa consegue garantir a produção necessária, e não comprometer a indústria, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, anunciou a criação de um novo Banco Europeu de Hidrogénio, com um orçamento de 3 mil milhões de euros. Este é suposto garantir o ponto de partida, para alavancar a economia do hidrogénio, garantindo que são criadas economias de escala para se atingir custos mais competitivos.
A antecipação da meta de 80% de energia renovável no mix elétrico para 2026 em reposta à crise energética, bem como os recentes 10 GW de offshore anunciados para 2030, vêm suportar o desenvolvimento necessário para que exista um mercado de hidrogénio renovável em Portugal. A nível geográfico, o país detém ainda a seu favor rotas de transporte marítimo, que podem assegurar o transporte do hidrogénio para países com elevadas necessidades energéticas como França e Alemanha, e as relações geopolíticas são estáveis para que a exportação exista.
Com a revisão do PNEC 2030, prevista para junho de 2023, espera-se já uma atualização destas metas, integrando a nova ambição europeia e as sinergias expectáveis entre as tecnologias offshore e a economia do hidrogénio.
Atualmente, estão em desenvolvimento dezenas de projetos de hidrogénio renovável com diferentes fases de maturidade, com destaque para a região de Sines, com um conjunto de projetos que ultrapassa a capacidade de 500 MW de eletrolisadores. Foi também anunciado pelo Governo que o primeiro leilão de hidrogénio irá realizar-se em junho 2023, sendo dos primeiros leilões de hidrogénio a nível mundial.
No entanto, apesar das oportunidades existentes, existem vários obstáculos à integração de hidrogénio verde. A demora na publicação da legislação e regulação por parte da Comissão Europeia é preocupante, atrasa o processo de desenvolvimento das centrais produtoras e a cadeia industrial necessária para responder às metas definidas, e levanta a possibilidade da Europa se atrasar relativamente aos Estados Unidos da América, que lançaram em setembro o IRA (Inflation Reduction Act), que inclui o maior subsídio para o hidrogénio a nível mundial, entre outras medidas para acelerar a descarbonização, ou ao continente asiático.
Esta demora na definição da legislação pode levar a que a Europa continue dependente das importações (desta feita de hidrogénio), e que perca a oportunidade de ser o principal produtor de hidrogénio (como aconteceu no caso da produção de painéis fotovoltaicos). Se em setembro, as alterações à RED II aumentaram as metas, as alterações ao ato delegado da adicionalidade (que determina a forma como a energia renovável vai ser utilizada para a produção e hidrogénio), levaram à necessidade de uma adaptação do ato delegado, atrasando ainda mais o processo da legislação e regulação da sua produção e armazenamento.
A nível de investimento, a demora na publicação da legislação e regulação por parte da Comissão Europeia tem vindo a atrasar e a adiar a decisão de investimento e desenvolvimento de projetos fora do âmbito de programas de apoio. A falta de legislação e regulação gera incertezas ao mercado e cria risco ao investimento, sendo rapidamente necessário regras e um modelo de funcionamento que permita estabelecer confiança e traçar um caminho a longo prazo.
Esta estabilidade é essencial, pois apesar de existirem incentivos a nível europeu, o investimento inicial é bastante elevado, tanto para os eletrolisadores e infraestruturas, como para a geração de eletricidade renovável para suportar a produção de hidrogénio verde, que requer o desenvolvimento de novos projetos não criar desequilíbrios com o processo de eletrificação direta. Por fim, para a tecnologia de hidrogénio competitiva, são necessárias economias de escala, e como tal, nesta fase precisa de mecanismo de estabilidade remuneratória para não ficar exposto à volatilidade e instabilidade das commodities do setor energético.
A nível de investimento, a demora na publicação da legislação e regulação por parte da Comissão Europeia tem vindo a atrasar e a adiar a decisão de investimento e desenvolvimento de projetos fora do âmbito de programas de apoio
Neste sentido, congratula-se o lançamento do leilão de hidrogénio em Portugal, colocando o mesmo em posição de vantagem para captar investimento e desenvolvimento do setor. Fica a expectativa sobre o desenho do modelo de leilão, esperando-se que o mesmo incentive, para além da captação de investimento e a descarbonização, também a promoção de uma cadeia de valor nacional.
É necessário ultrapassar as barreiras referidas, no entanto, não há dúvida quanto ao potencial e necessidade do hidrogénio verde no setor da energia. A Europa já definiu os seus objetivos, e tem trabalhado para o desenvolvimento de toda a cadeia de valor do hidrogénio verde, complemento essencial às energias renováveis. Portugal tem também todas as condições para ser um dos principais produtores e exportadores.
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