CIAR 2022: a imperativa climatização sustentável é agora
Reportagem e Fotos: Ana Clara09/05/2022
De 4 a 6 de maio, Lisboa recebeu o XVI Congresso Ibero-Americano de Ar Condicionado e Refrigeração (CIAR 2022). Durante três dias estiveram em destaque conferências de especialistas nacionais e internacionais de renome, reflexões sobre o futuro do AVAC (ventilação, Qualidade do Ar Interior, edifícios, climatização cada vez mais sustentável, etc.) e reencontros há muito adiados pela pandemia. O certame que decorreu em dois palcos – a Casa da América Latina e Centro de Congressos do LNEC (Lisboa) –, contou ainda com uma exposição de empresas. Revista O Instalador foi media partner do evento, que teve como mote ‘Atuar hoje pelo Amanhã’. O CIAR regressa em 2024 e o México será o próximo país-organizador.
Exposição de empresas do setor AVAC no Centro de Congressos do LNEC.
Na sessão de abertura do CIAR 2022, que teve lugar no final da tarde de dia 4 de maio, na Casa da América Latina, Luís Neto, Presidente da Associação Portuguesa dos Engenheiros de Frio Industrial e Ar Condicionado (EFRIARC) e Presidente da Comissão Organizadora do evento, relembrou a importância da engenharia de frio industrial e ar condicionado. Revelou também que o CIAR 2022 contou com presenças, no âmbito da Federação de Associações Ibero-Americanas de Climatização e Refrigeração (FAIAR), de delegações do Peru, Cuba, Chile, da República Dominicana, México, Brasil, Colômbia, Espanha e Paraguai.
Anunciado foi também o próximo país organizador do CIAR (o México), que irá acumular igualmente a presidência da FAIAR nos próximos dois anos.
Na sessão de abertura, destaque para a intervenção de Marco Pinzon, engenheiro químico, especialista em Cooperação Internacional e Gestão de Projetos para o Desenvolvimento e ligado ao Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) desde 2001 para a área da América Latina.
Uma das missões principais da UNEP, como agência da ONU, passa por garantir o cumprimento do Protocolo de Montreal (da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozono), um acordo global que visa proteger a camada de ozono estratosférico através da eliminação progressiva dos químicos que a empobrecem. Esta eliminação progressiva abrange tanto a produção como o consumo de substâncias enfraquecem a camada de ozono (ODS - ozone depleting substances).
Protocolo de Montreal: uma ferramenta poderosa para mitigar as alterações climáticas
Tendo em conta que as ODS são igualmente gases com efeito de estufa com elevado potencial de aquecimento, esta eliminação progressiva é também crítica para a atenuação das alterações climáticas. Além disso, explicou Pinzon, não obstante o facto de os hidrofluorocarbonetos (HFC) não empobrecerem a camada de ozono, o protocolo “visa reduzir progressivamente a sua produção e consumo para evitar que as ODS sejam substituídas pelos HFC, que contribuem significativamente para as alterações climáticas”.
Nesta medida, o responsável disse que “são de enorme importância as sinergias com associações profissionais (como a FAIAR, por exemplo) para apoiar os países em desenvolvimento nas áreas do ambiente e clima”.
Marco Pinzon afirmou que o Protocolo protege a saúde humana e o meio ambiente através da eliminação de 100 substâncias nocivas à camada de ozono, e que igualmente “contribuem para agravar o aquecimento global”.
Marco Pinzon abordou a importância do Protocolo de Montreal.
O Protocolo de Montreal, garante, é “uma das maiores ferramentas para alcançar a mitigação das alterações climáticas” e, em conjunto com os esforços da indústria AVAC, pode contribuir “para uma mudança global na luta contra as emissões”, tão necessária e urgente.
Lembrou ainda que a refrigeração foi incluída nos cinco temas da COP-26 (Glasgow 2021), com destaque para compromissos de financiamento para a refrigeração. “A estratégia combinada de melhoria da eficiência energética do equipamento de arrefecimento e de redução gradual dos refrigerantes HFC no âmbito da Emenda Kigali representa uma das maiores oportunidades de mitigação climática atualmente disponível”, assegurou.
O responsável não tem dúvidas de que a coordenação da eficiência energética com a implementação de projetos de eliminação progressiva de HCFC e HFC “proporciona muitas oportunidades para a indústria e para as empresas”.
Recorde-se que as emissões de HFC estão abrangidas pelo Acordo de Paris, aprovado pela Decisão (UE) 2016/1841. Assim, o Protocolo de Montreal ajuda a cumprir o objetivo de manter o aumento da temperatura global bastante abaixo dos 2 °C acima dos níveis pré-industriais e a prosseguir esforços para limitar ainda mais o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.
“Fala-se pouco de eficiência energética e muito de emissões de carbono”
Nos dias 5 e 6 de maio, o CIAR 2022 teve lugar no Centro de Congressos do LNEC, com várias sessões de trabalho e conferências das quais destacamos algumas acompanhadas pela revista O Instalador.
Andrés Sepúlveda durante a sua comunicação no CIAR 2022.
“Na fase de projeto, as engenharias não se focam nos aspetos que são facilmente operativos e com manutenção simples e, muitas vezes, este processo de Comissionamento não é elaborado como devia”, começou por dizer.
Sepúlveda realçou que um edifício de alto rendimento “tem de ser aquele que se constrói e é capaz de funcionar, dando as condições adequadas de conforto, saúde e segurança para os seus ocupantes e produz um impacto ambiental baixo, com materiais de baixas emissões de carbono e um elevado potencial de reciclabilidade e integrado com sistemas eficientes de energia e água”.
Para o especialista, “fala-se pouco de eficiência energética e muito de emissões de carbono, porque este é o tema mais importante quando se fala de neutralidade carbónica”. Basicamente, referiu, este Processo de Comissionamento “é, por norma, de qualidade, e garante que o edifício foi projetado e cumpre os requisitos de projeto pelos responsáveis adequados”. Só assim, vinca, “é possível obter um edifício funcional, com baixas emissões, climaticamente neutro e que garanta todos os requisitos que se pretendem”.
QAI, eficiência energética e cidades inteligentes
Também o Presidente da Eurovent, Raúl Corredera Häner, destacou a importância inegável da Qualidade do Ar Interior (QAI) e da necessidade dos baixos consumos e da eficiência. Para Häner é essencial trabalhar em conjunto para finalmente colocar a QAI e os sistemas de ventilação no topo das prioridades. “Chegou a hora de contribuir, definitivamente, para a climatização sustentável”, sublinhou.
Auditório do LNEC, com muito público presente a assistir às conferências do CIAR 2022.
O responsável referiu que é fundamental aproveitar as oportunidades europeias, dando como exemplo a ‘Renovation Wave’, para continuar a apostar na eficiência energética, contudo, alertou, “são precisos requisitos mais exigentes”, como obrigar a QAI não só às novas reabilitações como à construção nova. “Todos, engenheiros, fabricantes e empresas têm de atuar em coletivo para alcançar os objetivos da descarbonização, porque temos as soluções, temos cada vez mais equipamentos e tecnologia eficiente e, por essa razão, temos de aproveitar a oportunidade”, afirmou.
Paulo Ferrão, professor do Instituto Superior Técnico, analisou, por seu turno, o papel dos modelos digitais dos edifícios na conceção de cidades neutras em carbono.
Parcerias, soluções e muito trabalho. Foi desta forma que o catedrático resumiu as urgências que temos em mãos em matéria de cidades inteligentes. E o setor AVAC tem aqui um papel “importante”.
Membro do Conselho da Missão da Comissão Europeia sobre ‘Cidades Climaticamente Neutras e Inteligentes’, que recentemente integrou três cidades portuguesas (Lisboa, Porto e Guimarães), Paulo Ferrão não tem dúvidas que a engenharia AVAC e de edifícios vai ser determinante para ajudar no caminho das smart cities rumo a urbes climaticamente eficientes e descarbonizadas. Na sua comunicação no CIAR deixou um apelo ao mercado para que falem mais com as cidades, os seus autarcas e os seus agentes.
Paulo Ferrão abordou o papel dos modelos digitais dos edifícios na conceção de cidades neutras em carbono.
Em jeito de exemplo, Paulo Ferrão partilhou com a plateia do CIAR o projeto do MIT Portugal que simula medidas de melhoria de eficiência energética com integração renovável dimensionada a bairros (Urban Building Energy Modeling) e que permitirá informações úteis de ganhos energéticos à escala local.
Com estas novas ferramentas de modelação urbana e energética dos vários municípios vai ser possível avaliar o consumo de energia dos edifícios, a análise de cenários de reabilitação, a avaliação do conforto térmico e do potencial de produção de energia renovável. Algo que irá permitir às cidades e aos seus decisores saber que benefícios resultam dos esforços feitos e melhorar aspetos onde é possível evoluir. “As políticas baseadas na informação são fundamentais para desenvolver estratégias para cidades climaticamente neutras”, concluiu Paulo Ferrão.
“A melhor energia é aquela que não necessitamos de usar”
Destacamos ainda a intervenção de José Afonso, da ENGIPRIOR, que apresentou alguns exemplos práticos sobre a ‘Utilização da mecânica de fluidos computacionais na análise de soluções de arrefecimento passivo’.
Começou por contextualizar o universo NZEB, que contempla a redução das necessidades de aquecimento e arrefecimento, a otimização do comportamento passivo dos edifícios, a redução das cargas internas, sistemas mais eficientes e renováveis, entre outras variáveis.
Em jeito de momento animado, perguntou à plateia qual era a melhor energia? Deu, em seguida, sem hesitar, a resposta: “a melhor energia é aquela que não necessitamos de usar”.
José Afonso lembrou, nesta linha, a necessidade de analisar o comportamento dos edifícios sem sistemas ativos em funcionamento e adequá-los, “para termos condições de conforto durante o maior período de tempo possível, com o recurso exclusivo a sistemas passivos ou híbridos”. Explicou ainda que a Mecânica de Fluidos Computacionais (CFD) permite simular escoamentos e as trocas térmicas com uma grande precisão, com visualização gráfica de distribuição de diversas variáveis, tais como perfis de velocidade do ar e temperatura interior”.
‘Utilização da mecânica de fluidos computacionais na análise de soluções de arrefecimento passivo’ foi o tema da comunicação de José Afonso.
O responsável deu depois a conhecer três casos diferentes: um projeto de ventilação transversal de edifícios de escritórios, um outro que incidiu sobre a climatização de uma nave comercial com sistema de arrefecimento evaporativo e um terceiro projeto que se centrou no arrefecimento passivo do ar novo através do solo.
Pode ver todos os temas das comunicações do CIAR 2022, aqui.
Recorde-se que o CIAR 2022 foi uma organização da EFRIARC em conjunto com LNEC e a Casa da América Latina. Objetivo: promover a divulgação do conhecimento e o debate técnico e científico nas áreas do aquecimento, ventilação, ar condicionado e refrigeração, com especial destaque para os desafios e oportunidades dos 14 países associados da FAIAR.
Reportagem completa do CIAR 2022 na edição impressa de junho da Revista O Instalador onde iremos dar conta de vários testemunhos de empresas com as quais falámos no evento.
Percorra a galeria abaixo e veja alguns dos melhores momentos do CIAR 2022:
Luís Neto, Presidente da EFRIARC, na sessão de abertura, na Casa da América Latina, a 4 de maio.
Plateia na sessão de abertura do CIAR 2022.
Exposição de empresas no CIAR 2022