Esaú Cardoso e Leonardo Lipinski | Instituto Electrotécnico Português (IEP)
21/10/2021De acordo com dados publicados pela Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), em Portugal, registou-se no mês de julho de 2021 um crescimento homólogo de 49,6% nas vendas de veículos elétricos (VE), 100% elétricos (BEV) e elétricos híbridos plug-in (PHEV).
Para o mesmo período, a associação declara uma queda de 26,5% na venda de veículos de combustão interna (VCI) sejam a gasolina ou a gasóleo.
O histórico de vendas de veículos elétricos em Portugal nos últimos 3 anos apresenta uma tendência clara de crescimento, conforme gráfico da figura 1.
O aumento na venda de veículos elétricos em Portugal vem de encontro com as políticas de neutralidade carbónica, cujas metas, publicadas no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) previstas para a década 2021-2030, são da redução de 45% a 55% nas emissões de CO2 e na implantação de mais 20% de energias renováveis nos transportes, conforme ilustra resumo da figura 2.
Frente a esta tendência de crescimento, surgem preocupações no aspeto da segurança de pessoas e das instalações elétricas, especificamente para os postos de carregamento de veículos elétricos (PCVE), que são as infraestruturas essenciais para o crescimento ordenado desta procura e cumprimento das metas estabelecidas.
Face a estas questões, este artigo pretende apresentar, de forma resumida, os principais aspetos da compatibilidade eletromagnética e da segurança elétrica, particularmente nos requisitos relacionados com o risco de choque elétrico, aplicáveis para postos de carregamento de veículos elétricos, bem como, enquadramento normativo e diretivas aplicáveis para fins de marcação CE para comercialização destes equipamentos na União Europeia.
É também feita uma abordagem resumida aos aspetos legais aplicáveis à instalação elétrica onde são conectados os PCVE.
Um conjunto de normas harmonizadas pela Comissão Europeia, em coordenação com o Comité Europeu para a normalização eletrotécnica - (European Commitee for Electrotechnical Standardization - CENELEC) e a Comissão Internacional de Eletrotécnica – (International Electrotechnical Commissions – IEC) sob responsabilidade do comité técnico 69 (TC69) compõem os requisitos mínimos, critérios construtivos, de segurança elétrica e compatibilidade eletromagnética para este tipo de equipamento. As seguintes partes compõem a família de normas EN 61851:
A norma EN 61851-1 define algumas caraterísticas comuns a todos os carregadores de veículos elétricos, entre elas, os modos de carregamento, sendo eles:
i. Modo 1: Consiste na ligação direta entre o carregador e a rede AC a partir de um conector normalizado, mas sem a presença de um condutor piloto, com correntes de carregamento não superiores a 16 A;
ii. Modo 2: Consiste na ligação direta entre o carregador e a rede AC a partir de um conector normalizado, no entanto, com a presença do condutor piloto e sistema para proteção pessoal contra choques elétricos, com correntes de carregamento não superiores a 32 A;
iii. Modo 3: Consiste na conexão permanente entre o posto de carregamento e a rede elétrica. O posto de carregamento conta com a presença do condutor piloto estendido até o veículo elétrico pelo conector normalizado;
iv. Modo 4: Consiste no carregamento do veículo a partir de uma fonte de corrente contínua (DC). Obrigatoriamente carrega o condutor de terra de proteção entre a estação de carregamento e o veículo através do conector. Requisitos adicionais de segurança são previstos na EN 61851-23, e serão abordados posteriormente.
Uma série de requisitos de segurança das pessoas contra choques elétricos (para além de outros requisitos de segurança) são abordados na EN 61851-1, desde as caraterísticas mecânicas e dielétricas dos postos de carregamento, cablagens e acessórios, bem como, dos componentes internos utilizados na sua construção.
Dentre os principais parâmetros e ensaios a serem realizados ao nível da segurança elétrica, a tabela 1 resume os testes, níveis de severidade e critérios de aceitação para os PCVE.
Tabela 1: resumo dos principais ensaios de segurança elétrica. Fonte: EN 61851-1.
OBS: o quadro resumo de ensaios aplicáveis da tabela 1 retrata a abordagem generalista de todos os PCVE. Para os carregadores do tipo DC, parâmetros adicionais de segurança elétrica e proteção de pessoas contra choques elétricos, e podem ser encontrados com detalhes na parte 23 do conjunto de normas harmonizadas (EN 61851-23).
A Compatilidade Eletromagnética (CEM) consiste no equilíbrio entre as perturbações eletromagnéticas máximas que podem ser produzidas por um equipamento, sejam conduzidas pelos terminais ou radiada pelo invólucro, denominado por Emissão, bem como, os valores mínimos de interferências eletromagnéticas que o equipamento deve suportar, sejam conduzidas pelas cablages ou radiadas, denominado por Imunidade.
O equilíbrio entre os parâmetros de emissão e imunidade classificam o ambiente eletromagnético onde o equipamento pode ser instalado, de forma a não interferir nos equipamentos vizinhos, bem como, não sofrer interferências dos equipamentos e instalações adjacentes.
Para os PCVE o cojunto de normas harmonizadas trás uma série de parâmetros específicos, detalhados na parte 21 (EN 61851-21) que descrevem desde os típicos setups de ensaio e metodologias, bem como os limites aplicáveis.
Para fins de definição dos ensaios aplicáveis e metodologia dos testes, é necessário conhecer a natureza da tensão de carregamento (se contínuo ou alternado) a potência nominal do carregador e principalmente, se o mesmo foi concebido para instalações residenciais ou industriais.
A figura 3 apresenta um setup de testes tipico para ensaios de CEM em PCVE.
Entendem-se como classe B os limites de emissão aplicáveis para PCVE a serem instalados em ambientes residenciais, e classe A os limites mais permissivos de emissão, a serem instalados em ambientes industriais.
Este capítulo pretende apresentar, de forma resumida, os ensaios típicos de emissão realizados nas instalações da I-charging Mobilidade Elétrica S.A. para fins de marcação CE de alguns carregadores tipo DC, com potências nominais entre 50 kW e 200 kW, bem como, discutir os resultados típicos e setup de ensaios.
A figura 4 apresenta o set-up de ensaios de emissão (radiada e conduzida) realizados em uma unidade de 200 kW.
Os ensaios de emissão radiada foram realizados em conformidade com a metodologia In-Situ, levando em consideração o ruído eletromagnético presente no ambiente e sua devida compensação para análise apenas do ruído produzido pelo equipamento em teste.
Para os ensaios de emissão conduzida para o porto AC, as amostras foram alimentadas a partir de uma LISN (Line Impedance Stabilization Network), de forma a anular as perturbações conduzidas existentes na rede de distribuição, e assim garantir que apenas as perturbações geradas pelo equipamento em teste seriam objeto de análise.
Para os ensaios de emissão conduzida no porto DC (saída), a metodologia aplicada foi a da medição das perturbações a partir de uma sonda te tensão RF de 1500 ? utilizada especificamente para este fim.
As figuras 5 e 6 apresentam os resultados de emissão conduzida pelos terminais de alimentação AC (entrada) e nos terminais da Saída DC (CPT), respetivamente, com os limites aplicáveis dado o enquadramento do equipamento com base na sua potência nominal.
De acordo com o despacho nº 24/2019 publicado pela Direção Geral de Energia e Geologia – DGEG, os PCVE devem ser objeto de inspeção e vistoria elétrica, por forma a garantir que são respeitadas as medidas da segurança de pessoas e instalações ligados à rede de mobilidade elétrica.
Conforme disposto no Anexo I – Procedimentos de certificação / inspeção de pontos de carregamento de veículos elétricos ligados à rede de mobilidade, as instalações elétricas devem cumprir com as disposições regulamentares das Regras Técnicas das Instalações Elétricas de Baixa Tensão – RTIEBT, nomeadamente as da seção 722.4, bem como as disposições constantes no “Guia Técnico das instalações elétricas para alimentação de veículos elétricos”.
O Anexo define, dentro de uma instalação elétrica usual, seja de um consumidor individual ou coletivo (edifício), os exemplos de PCVE, bem como, a responsabilidade da exploração em cada um dos trechos, conforme descrito pela figura 7.
No que se refere à aparelhagem para proteção, comando e seccionamento, o procedimento prevê que o PCVE deve ser equipado com:
a) Dispositivos de proteção contra os contactos diretos e indiretos por corte automático da alimentação, dispositivos diferenciais (DR), no QVE ou no equipamento dotado de pontos de conexão, que devem ter as seguintes caraterísticas:
i. Corrente Diferencial (IΔn) não superior a 30 mA em cada ponto de conexão de VE (circuito terminal);
ii. Interromper todos os condutores ativos, incluindo o neutro;
iii. Ser, no mínimo, do tipo A;
iv. Nas instalações trifásicas, se a caraterística da carga não for conhecida, deve ser utilizado, por exemplo, um DR tipo B;
b) Dispositivos de proteção contra sobreintensidades, no QVE ou no equipamento dotado de pontos de conexão (PC);
c) Dispositivo de proteção contra sobretensões (recomendado), no QVE ou no equipamento dotado de pontos de conexão (PC);
d) Dispositivos de corte e seccionamento, no QVE;
e) Dispositivo de corte de emergência, instalado em cada equipamento dotado de pontos de conexão (PC), com potências superiores a 22 kVA.
Para carregadores com saída DC (modo 4), a proteção do ponto de conexão do VE é obtida através da separação elétrica e monitorização da resistência de isolamento. Estas medidas são internas ao próprio equipamento de carregamento, como requisito normativo do conjunto de normas harmonizadas (EN 61851).
As alterações climáticas exigem políticas urgentes direcionadas para as reduções na emissão de CO2, e a mobilidade elétrica vem como alternativa para o cumprimento das metas do PNEC até 2030.
Frente a isto, é inevitável o crescimento exponencial nos próximos anos no número de veículos elétricos disponíveis no mercado, e com isso, a necessidade também de mais postos de carregamento de forma a viabilizar a utilização em larga escala desta modalidade de transporte renovével.
As preocupações existentes neste momento referem-se principalmente à potência nominal dos equipamentos de carregamento, que para realizarem carregamentos mais rápidos, necessitam de um consumo de potência instantânea da rede elétrica muito elevada. A infraestrutura elétrica existente em Portugal deve ser foco de estudo e ampliação, de forma a conseguir acompanhar o crescimento ordenado desta tendência.
Os PVCE a serem comercializados dentro da União Europeia devem responder a vários requisitos normativos para fins de marcação CE, dentre eles os de segurança elétrica e de compatibilidade eletromagnética, descritos neste artigo.
Para os fabricantes, é extremamente importante conhecer os ensaios e normas harmonizadas aplicáveis, já na fase da conceção do produto, de forma a diminuir os custos e tempos de desenvolvimento dos equipamentos durante o processo de certificação e ensaios.
O IEP conta com uma estrutura de laboratórios de ensaios que podem responder às necessidades dos fabricantes a nível nacional para certificação destes produtos com o objetivo de marcação CE, que podem ser consultados em: https://www.iep.pt/servico/ensaios-laboratoriais/.
Agradecimentos especiais à empresa I-Charging Mobilidade Elétrica S.A. pela disponibilização dos dados e resultados de ensaio efetuados nas suas instalações.
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