"As empresas estão a adaptar-se a esta nova realidade e procuram minimizar os impactos da crise sanitária"
O setor da Construção foi um dos mais resilientes desde que começou a pandemia em Portugal. Nesta entrevista exclusiva à revista O Instalador, Manuel Reis Campos, Presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), diz que as empresas estão a adaptar-se a esta nova realidade e “procuram minimizar os impactos da crise sanitária”. Sobre a Reabilitação Urbana, o responsável considera que "manterá um papel preponderante", não apenas em Portugal como na Europa.
A generalidade dos indicadores disponíveis tem dado sinais positivos ao longo dos últimos meses o que se deve, em grande medida, a uma grande resiliência do investimento privado. Aliás, o Banco de Portugal, recentemente destacou a elevada resiliência do setor e o seu contributo para a economia nacional, com as contas nacionais a indicar que o investimento em construção cresceu 3,5% no 2º trimestre, face ao trimestre anterior e a Comissão Europeia, nas suas previsões de outono para a evolução da economia em 2020, a melhorar significativamente as suas estimativas para a evolução do investimento em construção no corrente ano, estimando agora um crescimento de 2,9%, o qual, anteriormente, era de 0,6%.
No entanto, e apesar desta evolução, o impacto da pandemia na economia é muito significativo, todos os setores de atividade estão a ser globalmente afetados de uma forma negativa e a Construção e Imobiliário não é exceção. Porém, e a exemplo do que se passou na generalidade dos países europeus, o facto de a declaração de Estado de Emergência e as subsequentes medidas não terem determinado a suspensão das obras foi uma questão determinante para as empresas. Ainda que sujeitas a um conjunto elevado de restrições e dificuldades dada a natureza das suas operações, globalmente, as empresas corresponderam ao repto e mantiveram a sua atividade. E esta foi uma decisão importante por parte do Governo porque a maioria das obras em curso, públicas e particulares, mantiveram-se em execução e, de igual modo, foi assegurada a construção e manutenção de equipamentos e infraestruturas essenciais, como os hospitais ou as redes de transportes, energia, água, saneamento e comunicações e, em particular, a possibilidade de manter a atividade no segmento da reabilitação urbana. Naturalmente que, nesta vasta fileira, também temos empresas que foram irremediavelmente afetadas pela pandemia, e identificámos situações concretas muito graves que requerem medidas excecionais, uma vez que enfrentam uma situação de forte disrupção da sua atividade.
Os dados apontam para uma recuperação global da atividade ao longo dos últimos meses. Apura-se um crescimento homólogo de 10,2% no consumo de cimento até final do mês de agosto e um aumento de 7,0% no crédito concedido à habitação pelas instituições financeiras, no mesmo período. No segmento das obras públicas, os concursos promovidos e contratos celebrados de empreitadas de obras públicas encerraram o terceiro trimestre com variações homólogas positivas de 16% e 3%, respetivamente.
As empresas estão a adaptar-se a esta nova realidade e procuram minimizar os impactos da crise sanitária, adaptando-se às novas exigências e à necessidade de salvaguardar a segurança e a saúde dos seus trabalhadores. Segundo o último inquérito à situação do setor realizado pela AICCOPN, relativo ao 2º trimestre do ano, a pandemia provocada pela Covid-19 foi o principal constrangimento à atividade apontado pelas empresas, seguido pela falta de mão-de-obra especializada que, apesar da crise que o País atravessa continua a ser um problema muito significativo para as empresas do setor.
Estamos a atravessar uma situação sem precedentes e, como é natural, há ajustamentos que têm de ser realizados. O cumprimento das regras estabelecidas pelas DGS é um exemplo claro. As empresas precisam de se adaptar e, como temos referido, há um claro impacto sobre os custos operacionais e sobre a produtividade. Globalmente, o setor tem conseguido dar resposta e os indicadores económicos que referi, refletem essa mesma realidade.
Por um lado, no plano institucional, a AICCOPN continuará a defender os interesses do setor junto do Governo e de todos os demais organismos públicos que definem as regras de funcionamento da atividade. Esta é uma questão muito relevante no momento que atravessamos, a que acresce a circunstância de estarem a ser debatidos os novos instrumentos de financiamento comunitário, quer no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, quer no que diz respeito ao próximo quadro comunitário de apoio para o período 2021-2027.
Por outro lado, no que diz respeito ao apoio prestado pela AICCOPN às empresas, apesar das limitações que todos conhecemos, a associação mantém todos os seus serviços em pleno funcionamento e nesta fase, tem desenvolvido um acompanhamento mais próximo de todas as medidas excecionais e das informações úteis e relevantes, no âmbito da pandemia.
Neste domínio, a AICCOPN, no âmbito da prevenção, do acompanhamento de pessoal em obra e do risco de contágio, apresentou um conjunto de recomendações a adotar pelas empresas, em articulação com todas as informações e orientações emanadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS), bem como, com os Serviços de Segurança e Saúde organizados pelas próprias empresas, para a proteção dos trabalhadores e da população em geral.
Desenvolveu, igualmente, em conjunto com a Direção Geral da Saúde, a ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho e demais entidades competentes, a Campanha 'Construção Segura e Saudável', concretizando diversas iniciativas, como a divulgação de informação regular em todos os canais digitais, a realização de webinares e a disponibilização de cartazes para afixação em obra.
A AICCOPN está ainda a reforçar algumas ações, como a marca R.U.-I.S., que está a entrar numa nova fase, e que visa, não apenas, capacitar e apoiar as empresas que atuam em todos os segmentos da reabilitação urbana, como promover o reconhecimento das empresas qualificadas e combater fenómenos como a concorrência desleal e a clandestinidade.
Perante a realidade atual, com uma crise pandémica cuja evolução tem sido de difícil previsão, o exercício de estimar a produção do setor para um horizonte superior a um ano é extremamente complexo. Segundo as últimas previsões da Comissão Europeia, aponta-se para um crescimento em 2022 do Investimento em Construção em Portugal de 3,3%, mas, para se confirmar este crescimento, será necessário que o País consiga superar rapidamente a atual crise e que o Governo seja capaz de implementar os investimentos previstos, designadamente aqueles que constam do Plano Nacional de Investimentos 2030 e do Plano de Recuperação e Resiliência, tirando partido dos recursos europeus que estão a ser colocados à nossa disposição.
Quando estamos a falar num horizonte de médio-longo prazo, devemos ter presente que o nosso património edificado e a diversidade do território são vetores endógenos de crescimento que têm um elevado potencial e continuarão a ser essenciais. A Reabilitação Urbana tem sido muito relevante para um conjunto muito significativo de outras atividades, como o comércio e o turismo e continuará a assumir a sua importância. Veja-se que, há poucas semanas, a Comissão Europeia apresentou as bases da Estratégia: 'Uma Vaga de Renovação para a Europa – Tornar os nossos Edifícios Mais Verdes, Criar Emprego, Melhorar as condições de Vida', onde considera que a renovação e reabilitação é “uma oportunidade única para repensar, redesenhar e modernizar os nossos edifícios, para os tornar mais preparados para uma sociedade mais verde e digital e para suportar a recuperação económica”. Esta Estratégia assume metas ambiciosas até 2030, como a duplicação das taxas atuais de reabilitação energética dos edifícios, a melhoria do desempenho energético de 35 milhões de edifícios ou a criação de 160 mil empregos “verdes” adicionais no setor da Construção. A Comissão aponta ainda para os dados da Agência Internacional da Energia, os quais indicam que a renovação de edifícios é “o maior criador de emprego por euro investido, criando 12 a 18 postos de trabalho locais por cada milhão de euros de investimento”. A Reabilitação Urbana manterá um papel preponderante, não apenas no nosso País, como na restante Europa.
Este é um setor que, pelas suas caraterísticas, tem condições para mais rapidamente responder ao desafio de estabilizar a economia e o emprego. Domínios como o investimento público, por exemplo, não estão dependentes de fatores como o comportamento dos consumidores, podem ser dinamizados e, de forma muito imediata, gerar atividade económica e criar emprego local, ao mesmo tempo que se constroem ou reabilitam infraestruturas e equipamentos necessários ao País. Veja-se que, no Plano de Recuperação e Resiliência apresentado pelo Governo, o investimento estruturante e, em particular, a Habitação, constituem domínios prioritários. Portugal tem de tirar partido dos instrumentos comunitários, e concretizar, no plano nacional, aquela que é uma aposta da própria Europa. Porém, o posicionamento competitivo das empresas nacionais, de todas as dimensões e especialidades é determinante para maximizar o impacto destes projetos na economia e no emprego e, para isso, as empresas portuguesas têm de saber com o que podem contar, para se poderem preparar e competir, em condições de igualdade face à concorrência externa.
No que diz respeito ao investimento privado, é necessário criar condições para que a resiliência que tem vindo a ser demonstrada por parte dos investidores se mantenha e permita prosseguir esta trajetória de recuperação global dos níveis de atividade. É prioritário assegurar a confiança dos investidores, manter a competitividade do mercado imobiliário e, em particular, de programas de captação de investimento estrangeiro como os Vistos Gold ou o regime de tributação de residentes não habituais, bem com rever a fiscalidade incidente sobre o Imobiliário, já que medidas como a manutenção do AIMI, o IMI que reverte para o Estado ou a tributação dos stocks de casas detidas para venda por parte das empresas do setor são extremamente penalizadoras.
No que diz respeito aos apoios às empresas, é amplamente reconhecido que o Orçamento fica muito aquém das necessidades efetivas do tecido empresarial. Mecanismos inicialmente implementados pelo Governo, como o lay-off simplificado, as linhas de crédito ou as moratórias da banca, têm de ser reajustados às necessidades das empresas, para que se possa salvaguardar a capacidade produtiva.
Por fim, no que diz respeito à política fiscal, tal como referi anteriormente, é necessário assegurar a confiança e a estabilidade do ambiente de investimento, bem como manter o posicionamento competitivo internacional que o País conseguiu alcançar junto dos investidores estrangeiros. Não é possível continuar a olhar para o mercado imobiliário, unicamente, como uma fonte inesgotável de impostos e este Orçamento não traz a estabilidade e a competitividade que entendemos ser necessárias.
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