Texto: Manuel Gameiro da Silva*
28/04/2020
Não restando dúvidas de que o coronavírus SARS 2 se transmite maioritariamente através das partículas exaladas pelos doentes contaminados, é importante começar por uma explicação básica sobre como é que a matéria particulada, normalmente designada pelo acrónimo PM (de Particulate Matter, em inglês) se classifica. Quando estamos a referir-nos a classes de tamanhos de matéria particulada, a seguir a PM escreve-se um número que corresponde ao diâmetro equivalente expresso em mícron (1um = 0.001 mm). Assim, por exemplo, a designação PM10, deve ser entendida como o conjunto de todas as partículas com dimensão inferior a 10 um na amostra de ar que estamos a analisar.
Figura 1. Gamas de tamanho dos principais tipos de matéria particulada no ar interior.
Figura 2. Classificação das partículas em função do nível de penetração no sistema respiratório.
Em função da sua dimensão, as partículas podem ter comportamento diversos relativamente às suas trajetórias no ar. Esta diversidade de comportamentos resulta dos diferentes balanços entre as forças que atuam sobre as partículas na sua interação com o ar. As principais forças que se consideram a atuar sobre uma partícula no ar são a força da gravidade e a força de arrasto aerodinâmico. A relação entre estes dois tipos de forças é diferente conforme a ordem de grandeza das partículas, acontecendo que, para diâmetros equivalentes da partícula menores do que 10 um, as forças de arrasto aerodinâmico são mais importantes do que as forças da gravidade (o peso da partícula), e, sendo assim a partícula flutua, seguindo as linhas de corrente do escoamento, de uma forma similar ao que acontece com um surfista quando surfa uma onda. No caso de partículas de maior dimensão, a sua trajetória é normalmente parabólica, indo as mesmas depositar-se no chão ou noutras superfícies, porque a força da gravidade, devido ao seu peso, é maior do que a componente vertical da força de natureza aerodinâmica. A maior ou menor distância percorrida na horizontal pelas partículas dependerá da sua dimensão, do campo de velocidades do escoamento e também da sua velocidade inicial. Estes diferentes tipos de comportamento estão representados na figura 3.
Existem três modos possíveis de transmissão a partir de elementos patogénicos que tenham sido expelidos no processo respiratório de pessoas infetadas: infeção por partículas em suspensão (bioaerossóis), por gotas e por contato. Na figura 6, transcreve-se uma figura adaptada de um folheto do Gabinete do Primeiro Ministro e do Ministério da Saúde, do Trabalho e do Bem-Estar do Japão, recentemente publicada num Position Paper conjunto da Sociedade de Engenharia de Aquecimento, Ar Condicionado e Sanitária do Japão (SHASE) e do Instituto de Arquitetura do Japão (AIJ), em que se ilustram os modos de transmissão anteriormente referidos. Na origem da emissão das gotas a partir do indivíduo infetado podem estar diferentes processos, como tossir, espirrar, vomitar, falar e respirar, sendo naturalmente diferentes as quantidades e as distribuições por classes de dimensão das partículas exaladas, conforme o processo.
No caso da transmissão a partir de partículas em suspensão, em que as mesmas terão dimensões tipicamente inferiores a 10 um, o fenómeno normalmente envolve uma evaporação de uma parte substancial da massa de água da gotícula, que fica reduzida ao que se designa por núcleo da gotícula onde poderá haver alguns vírus ou bactérias, que poderão ser inalados pelo indivíduo contaminado.
Na figura 7, apresenta-se uma figura transcrita de Morawska (2006), em que se apresentam os tempos de evaporação das gotas de água, em função do seu diâmetro e da humidade relativa do ambiente. As gotículas de menor dimensão (1?m) evaporam rapidamente sendo reduzidas ao que se denomina como o núcleo de partícula ou resíduo. No caso de a gota estar contaminada com vírus, serão estes que permanecerão em suspensão, sendo a sua persistência dependente de fatores como a temperatura, a humidade e a componente de radiação ultravioleta existente no local. Há um número significativo de estudos sobre a sobrevivência dos vírus no ar, que são também referidos em Morawska (2006) havendo um comportamento diverso conforme os vírus têm ou não um invólucro exterior de gordura. Assim, no caso de vírus do tipo coronavírus que apresentam uma camada exterior protetora de gordura, a conclusão é que essa camada persiste melhor em ambientes secos e que é desestabilizada em ambientes mais húmidos, ao contrário do que acontece com os vírus que não apresentam uma camada protetora de gordura [Roc (1992) e por Pillai and Ricke (2002)]. No que diz respeito ao efeito da temperatura, tipicamente, a persistência dos vírus é mais alta com temperaturas frias do que com temperaturas quentes. A radiação solar tem uma componente de radiação ultravioleta que prejudica a persistência dos vírus pelo que, nos ambientes interiores sem luz natural direta, há condições mais favoráveis para a persistência dos vírus como partículas em suspensão. Em resumo, a persistência de vírus do tipo do Covid-19 como um bioaerossol em suspensão (seguindo as trajetórias das correntes de ar existentes no local) é maior em ambientes frios, secos e sem iluminação natural.
O segundo modo de transmissão referido na figura 6 é a transmissão direta por gotas que viajam desde o emissor infecionado até ao recetor suscetível e que são inaladas por este último. Acontece normalmente com gotas com uma dimensão intermédia, entre cerca de 10 e 50 um, que podem cumprir o trajeto entre o emissor e o recetor antes de se verificar a sua completa evaporação. Num episódio de tosse ou num espirro a velocidade inicial do jato que sai da boca do emissor pode ter valores típicos de 10 a 30 m/s, pelo que as partículas fazem rapidamente os trajetos de cerca de 1 m entre o emissor e o recetor, numa trajetória aproximadamente horizontal, devido à situação de equilíbrio entre as forças de sustentação de origem aerodinâmica e a força da gravidade, que apresentam magnitudes semelhantes e sentidos contrários.
As gotas de maior dimensão, com diâmetros superiores entre 50 um e 300 um, são aquelas que estão na origem do modo de transmissão por contato. Como, no seu caso, a força da gravidade é dominante porque as forças de natureza aerodinâmica perdem influência relativa, estas partículas caem mais depressa e depositam-se nas superfícies, criando o que se designa por fomites (objetos ou materiais contaminados por elementos patogénicos). Há vários tipos de comportamento que podem contribuir para que os elementos patogénicos sejam transportados de modo a entrarem em contacto com uma zona de entrada no corpo do elemento recetor (boca, olhos, nariz). Foi publicado um conjunto relevante de trabalhos sobre este modo de transmissão, podendo ser, por exemplo consultados os artigos de Rheinbahen et al. (2000) e de Barker et al. (2001).
É mais ou menos consensual que o modo de transmissão por contato e o modo de transmissão por gotas, estão presentes nas transmissões de vírus do tipo do Covid-19, mas havia, até há algum tempo, a convicção que o modo de contaminação por partículas em suspensão não era relevante nos casos de infeções virais e que acontecia sobretudo com bactérias (tuberculose, legionella, …). Provavelmente a dificuldade de estabelecimento da relação causa–efeito, porque se trata de um tipo de investigação mais difícil e que envolve a necessidade de meios muito mais sofisticados está na base deste facto, apesar de já se saber que, por exemplo, no caso do sarampo, que é viral, há também transmissão por partículas em suspensão. Não existia uma completa unanimidade sobre o papel das transmissões aéreas por aerossóis, mas as evidências da sua existência nos casos de transmissões virais têm aumentado substancialmente nos artigos mais recentes. Na tabela seguinte apresentam-se resumem-se alguns dos artigos que sustentam a existência de transmissão de infeções virais através do modo das de partículas em suspensão.
Num artigo publicado na revista Indoor Air, por Li et al. (2007), um grupo de especialistas de vários países, fez uma análise multidisciplinar sistemática de 40 artigos sobre o papel da transmissão por partículas em suspensão, publicados entre 1960 e 2005, tendo considerado que 10 dos 40 artigos eram conclusivos, havendo uma evidência forte da relação entre a ventilação dos edifícios e a transmissão/disseminação através de partículas em suspensão de doenças como o sarampo, a tuberculose, a varíola, a gripe, a gripe das aves, e a SARS.
Na sequência destas informações, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou que devem ser tomadas “precauções relativamente a partículas em suspensão” por parte dos profissionais de saúde. A Diretora da Divisão de Doenças Urgentes, Dr. Maria Van Kerkhove, informou os media durante uma conferência de imprensa, no dia 23 de março de 2020 que “Quando se executa um procedimento clínico que gera aerossóis numa unidade de prestação de cuidados de saúde, há a possibilidade de aerossolizar essas partículas, o que significa que elas podem permanecer no ar um pouco mais de tempo”. Acrescentou: “é muito importante que os trabalhadores da saúde tomem precauções adicionais quando estiverem a trabalhar com pacientes e façam este tipo de procedimentos”.
Não se compreende que, ao nível da cúpula diretiva da OMS, não haja a perceção de que a aerossolização não ocorre só na realização de atos clínicos com algum tipo de equipamentos em ambiente hospitalar, mas ocorre também de forma natural nos processos relacionados com o sistema respiratório de uma pessoa (tosse, espirros, verbalização, respiração, etc.).
Assim, as implicações do conhecimento recente sobre a persistência do Covid-19 em aerossóis deveriam ser muito mais vastas, nomeadamente, em termos da redefinição do conceito de distância de segurança entre pessoas e a necessidade de uso generalizado de equipamentos de proteção das vias aéreas superiores (máscaras e viseiras) sempre que se preveja que se vai estar num ambiente com ocupação múltipla.
Analisando, por exemplo, a distribuição por tamanhos das gotas que são emitidas quando uma pessoa com tosse [Bourouiba et al. (2014)], apresentada na figura 7, verifica-se que uma parte importante tem potencial para aerossolizar porque, com a perda de água por evaporação, até à dimensão no momento da exalação de 16 mm, é expectável que isso aconteça.
Num artigo publicado na revista Building and Environment, Jianjan Wei e Yuguo Li (2015), apresentam os resultados de uma simulação computacional para os destinos de partículas exaladas, com dimensões de 10 um, 50 um e 100 um por uma pessoa que tussa, com uma velocidade inicial do jato que sai da boca de 10 m/s. Na figura 8 apresenta-se uma imagem montada a partir dos resultados desse artigo, em que fica patente que há o risco de as partículas em suspensão serem inaladas por pessoas que estejam a distâncias superiores aos 2 um recomendados como distância de segurança.
Figura 8. Zona espaciais potencialmente ocupadas por partículas com as dimensões de 10 um, 50 um e 100 um por uma pessoa com tosse.
• Enquanto se mantiver a crise pandémica, não devem ser realizadas reuniões presenciais;
• Os espaços interiores com ocupação humana devem ser fortemente ventilados, exclusivamente com ar novo, para diminuir as concentrações do vírus, no caso de uma eventual contaminação por partículas em suspensão, e, desta forma, reduzir o risco de infeção;
• Quando se planeia uma saída, para locais frequentados por outras pessoas, deve-se levar máscara e, se possível, viseira. As máscaras normais não são completamente eficazes na retenção das partículas de menor dimensão, pelo que o uso combinado com uma viseira aumenta substancialmente a eficácia de retenção;
• Quem trabalha em locais públicos deve usar máscara e viseira, para proteger as vias aéreas;
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* Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica
Coordenador da Iniciativa Energia para Sustentabilidade da Universidade de Coimbra
Especialista em Climatização pela Ordem dos Engenheiros
Vice-Presidente da REHVA
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