Eletricidade: não subestimar os riscos do perigo oculto [1]
Manuel Martinho | Engenheiro de Segurança no Trabalho
1.ª Parte
13/01/2020A eletricidade é a forma de energia mais utilizada na vida contemporânea, usamo-la em quase todas as tarefas que desempenhamos, e também como suporte para o avanço das ciências e da tecnologia.
1. Introdução
Essencial, de inegável importância ao funcionamento da habitação, medicina (hospitais e unidades de saúde), fábricas, máquinas, indústria, bancos, escolas, imprensa, mobilidade auto, comércio, enfim, a um sem número de atividades que de tão habituados, julgamo-la indispensável, sem a qual até a vida parece ficar sem sentido.
Com a construção das primeiras redes de energia elétrica obtivemos vários benefícios, mas também vários problemas de ordem operacional e de segurança.
É sob a ótica da segurança, na sua interação com a energia elétrica, que escrevo este tema, onde face aos perigos que lhe estão associados e o consequente risco que o seu uso comporta, como por exemplo a eletrocussão ou choque, dependente da sua dimensão, são incapacitantes, fatais ou até geradores de curto-circuitos que são causa de tantos incêndios.
A classificação das instalações elétricas e as normas relativas ao controlo prévio e às atividades desenvolvidas, designadamente em matéria de projeto, execução, exploração e manutenção estão estabelecidas no denominado Regulamento de Licenças das Instalações Elétricas (RLIE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26 852, de 30 de julho de 1936, alterado pelos Decretos-Leis 446/76, de 5 de junho, 517/80, de 31 de outubro, 131/87, de 17 de março, 272/92, de 3 de dezembro, e 4/93, de 8 de janeiro, e pela Lei n.º 30/2006, de 11 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 101/2007, de 2 de abril.
Na relação entre produtores e consumidores o mercado de energia elétrica (MEE), segmentou o setor, que pode resumir-se em quatro grupos, produção, transporte, distribuição e comercialização de energia.
2. Produção
A energia elétrica pode ser produzida por várias fontes, que classificaremos em renovável e fóssil.
a) Nas primeiras integram-se os centros eletroprodutores a partir de fontes de energia renovável, nomeadamente, aproveitamentos eólicos, aproveitamentos solares fotovoltaicos, centrais mini-hídricas, bem como centrais térmicas a partir da combustão de biomassa e biogás, cogeração (produção combinada de calor e eletricidade em que é aproveitado o calor gerado na combustão para fins industriais ou de aquecimento).
b) Produção tradicionalmente assente na queima de combustíveis fósseis, em que os mais conhecidos e utlizados são o carvão mineral, os derivados do petróleo (gasolina, óleo diesel, óleo combustível, o GLP - ou gás de cozinha, entre outros) e ainda, o gás natural.
3. Transporte
O escoamento ou transmissão da energia elétrica proveniente dos centros eletroprodutores tem na rede nacional de transporte (RNT), conjunto de linhas aéreas e cabos subterrâneos, de Muito Alta Tensão (MAT) na sua forma de chegar às subestações de distribuição.
Estas linhas e cabos segundo o nível de tensão podem ser de 400kV, 220kV (volt) e 150kV, sendo as subestações classificadas segundo a sua potência de autotransformação em MAT/MAT ou potência de transformação em MAT/AT.
4. Distribuição
A Rede Nacional de distribuição (RD), inclui a rede Alta Tensão (AT),), tem como missão fundamental conduzir a energia às instalações de cada utilizador, e compreende os elementos da rede elétrica desde as saídas das subestações, em Média Tensão (MT), 30 kV, 15 kV e 10 kV, e de Baixa Tensão (BT), igual ou inferior a 1KV (400/230 V).
No entanto, para que este serviço seja plenamente assegurado, é necessária complementarização de outros serviços, nomeadamente, subestações, postos de transformação e de seccionamento, equipamentos acessórios, conservação da rede e iluminação pública. Estes serviços asseguram a transformação da energia de alta tensão em energia de média e baixa tensão, funcionando, desse modo, como um elo de ligação fundamental entre as estruturas de produção e os locais de consumo.
5. Comercialização
A comercialização e atividade de fornecimento de energia elétrica funciona com base na apresentação de propostas de venda e compra de energia por parte de empresas produtoras e de empresas comercializadoras ou consumidores elegíveis, respetivamente.
Desenvolve-se num contexto de concorrência, (livre na entrada e saída de empresas), sob os requisitos licença de funcionamento. Esta tem por objetivo regular a atividade da produção com os interesses de política energética do país, da sociedade no que diz respeito ao ordenamento do território, ambiente, segurança de pessoas e bens.
A corrente elétrica que não vemos ou ouvimos, circula sempre em peças de potenciais diferentes ligados por um condutor e caracteriza-se pelo fluxo de partículas ou carga elétrica (eletrões).
Estes sistemas de potência estão constantemente sujeitos a perturbações do seu estado normal, quando por alteração abrupta alteram as grandezas elétricas (corrente, tensão, frequência e potências), provocam severas violações e restrições operacionais, que colocam em risco a integridade dos equipamentos e das instalações.
6. O risco elétrico. Como se manifesta
A utilização da eletricidade exige procedimentos de segurança, uma vez que quando estes são negligenciados, esta fonte de energia pode provocar não só danos patrimoniais, como também ser fatal ou causar lesões irrecuperáveis.
O corpo humano, embora não seja um excelente condutor de eletricidade, apresenta características de condutor, quando há uma descarga elétrica que atravessa o corpo humano e produz efeitos a que chamamos de "choque elétrico".
O choque elétrico é a sensação sentida por uma pessoa quando pelo seu corpo ocorre a passagem de uma corrente elétrica, seja ela contínua ou alterna. Pode ser extremamente perigoso, sobretudo quando entra por uma mão e sai pela outra - uma vez que percorre órgãos fundamentais, como por exemplo, o coração, onde os danos podem ser irreversíveis. O choque elétrico pode acontecer por:
a) Contato direto: ocorre por contato direto de um operador com a corrente elétrica diretamente num elemento ativo com uma parte do corpo. Em regra provém de falha ou defeito no isolamento ou por ato acidental. A corrente do circuito modificada percorre o corpo humano tornando este em parte do circuito elétrico, pela inserção da resistência do corpo humano, entre os condutores ativos afetados ou entre estes e a terra.
b) Contato indireto: tem lugar sempre que há contato com uma massa condutora, ou seja, uma parte ativa de um circuito sob tensão devido a um defeito de isolamento, interrupção ou ausência do condutor de proteção, e permite o estabelecimento de correntes de fuga.
O choque elétrico manifesta-se de três formas destintas:
a) Eletricidade estática (tensão elétrica constante);
b) Eletricidade Dinâmica (tensão elétrica de onda eletromagnética alternada ou contínua);
c) Descargas atmosféricas ou arcos elétricos.
No caso de choque por eletricidade estática, a manifestação dá-se quando um corpo é eletricamente neutro (igual número de protões e eletrões), mas que por atrito ou outra causa pode apresentar desequilíbrio nesse número, acumulando de cargas estáticas. A diferença na quantidade de cargas positivas e negativas ocasiona o movimento ordenado dessas cargas elétricas, que acumula mais carga elétrica até ser dissipada noutro objeto ou corpo que tenha uma carga oposta ou neutra.
Apesar de parecer inofensiva a energia estática pode causar danos irreparáveis, como por exemplo em componentes de computadores.
Felizmente, essa energia não costuma trazer riscos à vida humana, já que possui baixa amperagem.
O choque por eletricidade dinâmica, como na corrente alternada, a sensação que se experimenta é a de um violento estremecimento no corpo, seguido de um calor intenso no ponto de contato, esse estremecimento é tão mais intenso quanto maior for a tensão e a frequência elétrica aplicada, enquanto a queimadura do corpo, no ponto de contato, é tão mais forte quanto maior for a intensidade da corrente sentida. Neste caso, a corrente que flui através do corpo humano causa, em poucos segundos, lesões nos tecidos nervosos e cerebrais.
Por arco elétrico designa-se a passagem ou descarga da corrente elétrica de alta tensão por um material normalmente não condutor, como o ar, movimentando a altas velocidades os elétrons de um elétrodo ao outro através de um fluxo de corrente que produz calor intenso, causa explosões, ondas de pressão.
O incêndio ou explosão de origem elétrica acontece por descargas atmosféricas (raios) faíscas oriundas de falha no funcionamento de equipamentos elétricos ou sobrecarga no circuito elétrico.
A eletrocussão é um risco imediato e sério, em que a descarga súbita de eletricidade para o corpo humano pode causar ferimentos graves e até a morte.
O trauma elétrico ou lesão por eletrização é o acidente que traz consequências físicas, orgânicas e mentais à pessoa humana.
7. Efeitos da corrente elétrica no corpo humano
O funcionamento do corpo humano é controlado por impulsos de corrente elétrica, em que se a estes for adicionado uma corrente externa, por contacto elétrico, pode registar-se alterações ligeiras ou graves nas funções vitais do corpo humano.
A severidade do choque depende, é claro, do valor da diferença de potencial e do caminho percorrido pela corrente no corpo, sendo vários fatores a considerar:
a) Intensidade da corrente;
b) A duração da passagem de corrente;
c) A intensidade da corrente elétrica que se estabelece é função da resistência apresentada pelo corpo humano, diferindo de pessoa para pessoa, em função de fatores físicos e biológicos, podendo variar entre os 200 O e 5000 O (ohm);
d) A superfície de contato;
e) O percurso da corrente elétrica no corpo;
f) A condição da pele (seca, húmida, molhada);
g) A natureza do solo.
É a corrente e não a tensão que causa o choque.
A resistência (Ω) típica do corpo humano é da ordem de 10 kΩ – 50 kΩ; 220 V/10 kΩ=22 mA (A- ampere).
Quadro 1. Efeitos da corrente elétrica no corpo humano
Efeitos da corrente elétrica no corpo humano
8. O Curto-Circuito
Os sistemas de potência estão constantemente sujeitos a perturbações do seu estado normal, quando por alteração abrupta se alteram as grandezas elétricas (corrente, tensão, frequência e potências), provocando severas restrições operacionais que colocam em risco a integridade dos equipamentos e das instalações.
Um curto-circuito elétrico dá-se por passagem de corrente elétrica elevada, em que o aumento repentino da tensão no circuito elétrico ocasiona falha. São os indesejáveis curtos-circuitos - um percurso de impedância baixa, através da qual se fecha uma corrente, geralmente elevada.
Os mais frequentes são os curto-circuito fase-terra (monofásico), os que afetam duas fases (bifásicos), mas também ainda que em menor escala, os que afetam simultaneamente as três fases do circuito (trifásicos), de menor frequência que sendo mais severos são mais analisados.
As roturas do isolamento entre as fases ou entre fase e terra, podem tanto sobrecarregar o equipamento como danificar a própria instalação, uma vez que a corrente encontra uma certa oposição à sua passagem, ou seja, uma resistência para vencer esta oposição, logo, é preciso haver dispêndio de energia, que não podendo ser destruída é convertida em calor, ou seja, em energia térmica.
Esse efeito, controlado, é aproveitado em inúmeros tipos de dispositivos como por exemplo os elementos de aquecimento, popularmente denominados de "resistências" de aparelhos como ferros de passar, aquecedores de ambientes, etc.