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O Sonho de Greta Thunberg

Jorge Moreira | Ambientalista e Investigador28/11/2019

"Eu também tenho um sonho: que governos, partidos políticos e empresas compreendam a urgência da crise climática e ecológica e se unam apesar das suas diferenças - como vocês fariam em caso de emergência - e tomem as medidas necessárias para salvaguardar as condições de uma vida digna para todos na terra".

Greta Thunberg, discurso no Congresso Norte-Americano, 2019

Greta Thunberg. Foto: Anders Hellverg (Creative Commons)

Greta Thunberg. Foto: Anders Hellverg (Creative Commons)

Várias notícias tornadas públicas recentemente dão-nos a conhecer que muitas empresas e governos sabiam que certas atividades ligadas aos seus interesses estava a destruir a biosfera, mas nada fizeram para travar esse cenário.
Pelo contrário, algumas corporações investiram somas astronómicas em contrainformação e favores políticos para poderem continuar com os seus negócios lucrativos, alavancados em atividades insustentáveis e criminosas. Sim, porque destruir a Natureza e os sistemas que suportam o clima é criminoso, tal como é criminoso colocar alguém sem o seu consentimento num ambiente perigoso para a sua saúde ou condená-la a um ambiente inóspito futuro, provocando o sofrimento e a morte dessa pessoa.
Agora, imagine-se não só o cenário de uma pessoa, mas o de milhões de deslocados, esfomeados, doentes e mortos pela escassez de recursos ou em guerras pelos mesmos, que a crise ecológica e as alterações climáticas vão proporcionar. Muitas corporações, políticos e suas políticas estão a provocar ecocídios em massa, assim como a potenciar a morte de milhões de inocentes que, no pior dos cenários, podem dar origem a um ‘humanocídio’.
Por esse motivo, a saudosa advogada Polly Higgins, deixou uma carreira promissora, para se dedicar à defesa da Natureza, insistindo no reconhecimento do ecocídio como um crime contra a Humanidade, defendendo que este deveria ser inserido no Estatuto de Roma, como um dos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional como um todo (Artigo 5.º do Estatuto de Roma).
A Comunidade científica tem também feito um trabalho notável na perceção, explicação e projeção das ações antrópicas que afetam gravemente a biosfera e tem publicado elementos que provam as alterações profundas que estamos a levar a cabo no Planeta, nomeadamente após a industrialização, e principalmente com o atual modelo neoliberal. Alterações estas que acarretam a destruição dos mecanismos naturais que suportam a vida humana, que a médio prazo trará consequências desastrosas para todos nós e, especialmente, para os mais vulneráveis.
Infelizmente, a voz da ciência relativamente às alterações climáticas e à crise ecológica tem tido ouvidos moucos pelos decisores, que continuam agarrados a um paradigma obsoleto de crescimento económico baseado no consumo, nos combustíveis fósseis, na mobilidade insustentável, na pecuária e na depredação da Natureza, até que uma menina de 16 anos, bem informada destes assuntos e preocupada com o futuro da sua geração, assim como o futuro da Humanidade, sentou-se no chão, frente ao Parlamento sueco, e fez greve às aulas pelo clima.

Muitos de nós cientistas e ambientalistas já tínhamos tentado tudo para chamar a atenção para o problema, mas não fomos tão eficientes na mensagem como Greta Thunberg. Hoje já se fala em acabar com voos domésticos em países como a Alemanha, muitas pessoas já preferem o comboio nas suas deslocações e diminuíram o consumo geral, e especialmente da carne nas suas refeições, isto tudo devido ao ‘efeito Greta Thunberg’ que inspira à mudança de atitudes e comportamentos em prol do clima e de um futuro. Mas este ‘efeito’ não se fica por aqui. Vários parlamentos por onde Greta passou declararam a emergência climática e muitas empresas tornaram-se mais eco-responsáveis.

Ora, é precisamente aqui, onde o negócio impera, que existe duas questões particulares. A primeira tem a ver com o crescimento da economia verde que, efetivamente, e segundo o The Guardian cresceu bastante com o ‘efeito Greta Thunberg’, nomeadamente o mercado de compensação de carbono.

O endurecimento do discurso de Greta é por ela saber que o som das palmas dos políticos termina imediatamente no final do seu discurso, sem qualquer eco nas decisões políticas que venham a tomar que determinam um futuro seguro, belo e promissor

Há realmente um aproveitamento por parte do negócio do costume em continuar a lucrar, agora com uma economia mais esverdeada, que na maioria dos casos trata-se unicamente de greenwashing - publicidade enganosa que leva as pessoas mais preocupadas com o Ambiente a preferir um determinado produto ou serviço, porque é verde, sem na realidade o ser - ou da possibilidade de uma empresa continuar as suas emissões maciças e compensar por isso com o pagamento de taxas ou a plantação de árvores, etc.

Embora exista um lado positivo nesta questão, o paradigma da economia vigente que nos levou junto do precipício continua. Não há uma mudança de fundo da questão. O lucro continua em primeiro plano, e por isso o futuro continua ameaçado. E para quem pensa que Greta tem alguém a financiar a sua atividade com interesses neste tipo de economia, desengane-se. As suas palavras no Congresso Norte-Americano são bem claras: Mudar uma fonte de energia desastrosa para outra menos desastrosa não é progresso. Exportar as nossas emissões não reduz as nossas emissões. A contabilidade criativa não nos ajudará. De facto, é o cerne do problema.

Todavia, já existem empresas a emergir que estão realmente envolvidas na sua responsabilidade socioambiental. Neste caso, e para que possam singrar num mercado ainda marcado pela competição, seria extremamente importante que essas empresas realmente verdes tivessem mecanismos de compensação (dedução de taxas, impostos, financiamento, etc.) promovidos pelos Estados.

A segunda questão relacionada com as alterações climáticas é o negacionismo. Como já foi referido, algumas empresas sabem do impacto que as suas atividades têm no Ambiente, mas querem continuar a lucrar com os seus negócios tradicionais, independentemente dos problemas que possam provocar (e.g. empresas petrolíferas), e por isso criam fake news e usam trolls para difamar personagens e manipular as massas para que os seus negócios continuem a prosperar. Isso aconteceu nos últimos tempos com a Greta Thunberg.

A sua mensagem enviada ao mundo através dos mais emblemáticos palcos e bem difundida pelos media, que embora seja uma mensagem de defesa e de esperança no futuro, ela traz alguma ameaça a certos negócios, principalmente os que se encontram ligados aos combustíveis fósseis – negócio do petróleo e carvão – e a políticas associadas à exploração da Natureza - onde Trump e Bolsonaro são bons padrinhos.
Por esses motivos Greta tem sido alvo de muitos ataques e ódios, com mentiras, fotos manipuladas, ligações estranhas, interesses obscuros, falhas de conduta, doença mental, menina rica, etc. só para que a sua mensagem perca importância e continue tudo como está. O mais inacreditável é a presença de alguns ambientalistas, que estão mais preocupados com o que eventualmente poderá estar por detrás dela, do que a sua mensagem propriamente dita. E a mesagem é clara e científica, e por isso perturba com a verdade, como disse ao Le Monde o climatologista e ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), Jean-Pascal van Ypersele. Haverá algo mais importante do que defender a vida com a verdade? Não é por acaso que seres tão especiais, como Sir David Attenborough ou Jane Goodall aparecem ao lado dela.
O discurso emocionado que Greta deu na Cimeira das Nações Unidas, em Nova Iorque, que muitos criticaram pela sua dureza, teve, a meu ver, um duplo objetivo. Primeiro foi um grito de alerta para a inação atual – os políticos aplaudem o discurso dela, como aplaudiram há 27 anos a canadiana Severn Cullis-Suzuki, de apenas 12 anos, e também numa cimeira da ONU, mas nada ou pouco fizeram para evitar a catástrofe que se avizinha.
O endurecimento do discurso de Greta é por ela saber que o som das palmas dos políticos termina imediatamente no final do seu discurso, sem qualquer eco nas decisões políticas que venham a tomar que determinam um futuro seguro, belo e promissor.
O segundo objetivo é porque Greta sabe através da comunidade científica que esta é a altura para começar a trabalhar efetivamente no problema, para evitar males ainda maiores, porque o tempo de agir está a esgotar-se. Diz ela no seu livro ‘Our House Is on Fire’: O que fizermos ou não fizermos neste momento, eu e a minha geração não vamos conseguir desfazer no futuro. Greta também disse que já sabemos como resolver o problema. Falta, efetivamente, resolvê-lo. Facto difícil de concretizar com o atual panorama político mundial.
Este quadro atual fez surgir um novo movimento ambientalista, o Extinction Rebellion, que exalta à desobediência civil de Henry David Thoreau, com o intuito de lutar contra as políticas que continuam a pôr em causa o futuro da Humanidade e da Natureza como a conhecemos. Viriato Soromenho-Marques diz-nos que "só a ação política nos devolve a possibilidade de nos assumirmos como sujeitos do nosso destino, e não como escravos dos nossos próprios instrumentos" - ("Diário de Notícias” de 2 de Março de 2019, página 31).
Foto: Jorge Moreira
Foto: Jorge Moreira
Quando as políticas colidem com os valores da vida na Terra e com a esperança de um futuro digno para todos, temos a obrigação moral de rejeitá-las e de lutar pacificamente para repor a harmonia ecológica que sustenta a vida e a evolução da vida na Terra. Estranho mundo este, onde os jovens e os cidadãos têm de lutar contra os governos para defender o seu futuro.
A Extinction Rebellion tem tido uma rápida expansão em todo o mundo, incluído a presença de muitas figuras conhecidas da nossa sociedade. Em certas alturas, o movimento estudantil que faz greves periódicas pelo clima, inspirado na Greta Thunberg, e a Extinction Rebellion quase que se confundem entre a multidão de ações em defesa do Ambiente. Muitos são presos só por lutar pelo futuro. Outros, que nada têm a ver com os valores que os movimentos defendem, entram em conflitos violentos com as autoridades e provocam distúrbios lamentáveis que devem ser evitados a todo o custo. Se queremos a mudança, não podemos repercutir ações que estão alinhadas com o passado repressor e violento.
A Ecologia Profunda promove o ativismo pacífico e afasta qualquer tipo de violência. Os promotores destas lutas devem estar atentos aos elementos mais perturbadores e inspirar a desobediência civil com sabedoria e paz.

Para concluir começo com outra citação do professor Viriato Soromenho-Marques, do mesmo artigo supracitado que resume muito bem a situação atual: Há décadas que as elites sabem estarmos a caminhar – como sociedade, como regime político, como sistema económico, como actores individuais – para uma explosiva situação global de beco sem saída. A actual gramática da nossa prosperidade está organizada num jogo de soma nula com o Planeta. Já sabemos como seria possível mudar, para viver em paz nesta e com esta nossa única casa, que nos abriga de um universo infinito, hostil e desolado. Contudo, a mesquinha usura de quem manda deixa que PIB mundial cresça na proporção exacta em que destruímos o frágil software que faz da Terra um oásis único de vida e beleza, sem paralelo nem alternativa. A biodiversidade desvanece-se (agora até os insectos estão em risco), a química da atmosfera altera-se contra a vida, transformamos o Oceano numa lixeira cada vez mais ácida. A Natureza está em risco, e nós procrastinamos. Como se fossemos células malignas de uma neoplasia planetária. É das maiorias que nós formamos, que saem líderes venais e brutais para os governos, para as indústrias, para os bancos. O crescimento, gerador de fortunas pornográficas e bilionários-gangsters, vai devorando o futuro. A história transformou-se numa guerra de gerações. E os vivos e os velhos estão a “ganhar” contra os que ainda não nasceram, e os mais jovens.

...o sonho de Greta Thunberg é um sonho maravilhoso, fraternal, humano. Todos os decisores são dotados de uma consciência elevada capazes de tomar as medidas necessárias para salvaguardar as condições de uma vida digna para todos na terra. Este sonho é também o meu sonho...

O que Soromenho-Marques descreve é um problema multidimensional que acarreta várias questões éticas que devem ser bem equacionadas. Uma das mais evidentes remete para a nossa responsabilidade para com as gerações futuras. Com esse objetivo chamamos aqui o Princípio da Responsabilidade e a Ética do futuro do filósofo Hans Jonas, porque tem a capacidade de alargar a responsabilidade presente ao tempo futuro, na medida que os atos atuais trazem inevitavelmente consequências no futuro.

A Ética do futuro não designa uma ética num futuro – uma Ética vindoura concebida hoje para os nossos descendentes futuros – mas uma Ética de hoje que se preocupa com o futuro e procura protegê-lo para os nossos descendentes das consequências da nossa ação presente (Jonas, H. 1998. Pour une Éthique du Futur. Sabine Cornille et al. (Trad.). S. Germain: Ed. Payot et Rivages). Esta é uma das bases do Princípio da Responsabilidade, que convoca para a manutenção das condições saudáveis da vida na Terra pelas presentes gerações.

O Princípio da Responsabilidade fornece a fundamentação ética para a conceção do desenvolvimento sustentável compreendida no Relatório Brundtland - O Nosso Futuro Comum, de 1987: O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades (WCED, 1987). Isto significa proporcionar às pessoas, no presente e no futuro, a possibilidade de alcançarem um nível satisfatório de desenvolvimento pessoal, social, cultural e económico, com o uso razoável e responsável dos recursos da terra e a preservação das espécies e habitats naturais (WCED, 1987). Mesmo sendo uma ética ambiental antropocêntrica é fundamental para apoiar a luta que Greta Thunberg trava em volta do futuro da sua geração e das vindouras.

O sonho de Greta Thunberg é um sonho maravilhoso, fraternal, humano. Todos os decisores são dotados de uma consciência elevada capazes de tomar as medidas necessárias para salvaguardar as condições de uma vida digna para todos na terra. Este sonho é também o meu sonho. Vislumbro ainda no meu sonho, que uma vida digna para todos, inclui, obviamente, as outras espécies e ecossistemas que formam esta belíssima teia de vida na Terra, que é uma das coisas mais mágicas que o universo encerra. Políticas focadas para o cuidado e o respeito por toda a vida, incluindo a humana, não iria só revolucionar a nossa economia, mas a nossa maneira de sermos realmente humanos.

Satish Kamur falou recentemente num podecast da Resurgence Voices, a propósito da necessidade que temos em ter novos heróis inspiradores. Diz ele acerca de Greta: Acho que a próxima revolução será feita por uma pessoa mais jovem, por uma mulher, e sinto que Greta Thunberg é essa pessoa (…). Acho que algum tipo de poder divino, mas também algum tipo de força invisível, inimaginável e inexplicável está a trabalhar através dela. Nas palavras de Hubert Reeves, esta força seria a manifestação da ´Senhora Natureza’, que faz despertar a consciência ecológica no ser humano. Na verdade, uma jovem, uma mulher, uma pessoa que luta pela vida e por condições de vida de todos na Terra, atuais e futuras gerações, é algo de bastante inspirador e até simbólico – a força de uma jovem, a sensibilidade da dimensão feminina do ser humano e de uma pessoa que abandona tudo para se dedicar à causa maior dos nossos tempos, contradiz-se com um mundo velho, obsoleto, androcêntrico e egoísta, que está a destruir o mundo e a H(h)umanidade. Greta é a esperança desse mundo rejuvenescedor e altruísta. Nas palavras de Fernando Pessoa, precisamos que aquilo que a ‘Senhora Natureza’ quer e que Greta sonha, se torne na Obra que nos vai salvar a todos.

Foto: Getty Images
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