O Governo anunciou oficialmente o encerramento das centrais termoelétricas do Pego (Abrantes) e Sines. As alterações climáticas e a necessidade de produção de energia limpa são duas das necessidades do País e que há muito antecipavam este desfecho. Nesta reportagem ouvimos vários agentes, direta e indiretamente ligados a este desfecho anunciado, nomeadamente associações ambientalistas, autarcas e a Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto (APEB), um outro setor afetado - pelas cinzas volantes - e cujas empresas terão de se ajustar.
No discurso da tomada de posse do atual Governo, no final de outubro deste ano, o primeiro-ministro, António Costa, assumiu o compromisso de acabar com a eletricidade produzida a partir do carvão durante esta legislatura. Desta feita, o Executivo anunciou que a Central Termoelétrica do Pego, concelho de Abrantes, encerrará no final de 2021, sendo que a produção da Central de Sines deverá terminar totalmente em setembro de 2023.
O primeiro-ministro lembrou, na altura, que estas medidas inserem-se no objetivo do programa do Governo de combate às alterações climáticas.
Em Lisboa, no 11.º encontro anual da Associação Portuguesa das Empresas do Setor Elétrico (ELECPOR), o Secretário de Estado reiterou que “a data de 2023 é exatamente para garantir que só se prescindirá de Sines quando houver em condições”.
Neste trabalho demos voz também às associações sobre a matéria. Fomos saber como olham para esta nova realidade.
Francisco Ferreira, presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, congratula-se, em declarações a’O Instalador, com esta antecipação. “Consideramos que esta é uma oportunidade única para Portugal reduzir significativamente as suas emissões de carbono, dado que é possível assegurar todas as condições técnicas e económicas para encerrar as duas centrais termoelétricas a carvão e assegurar o fornecimento de eletricidade em Portugal Continental a um preço mais reduzido e com menores impactes ambientais”, afirma.
Acrescenta que “a Central Termoelétrica de Sines, entre 2008 e 2017 representou, em média, 12% das emissões totais nacionais de gases com efeito de estufa (GEE), variando entre 8 a 15%, em função da produção realizada. A Central Termoelétrica do Pego, entre 2008 e 2017 representou, em média, 5% das emissões totais nacionais de GEE, variando entre 3 a 6%. No total, as centrais de Sines e Pego têm representado uma contribuição média de 17% para o total das emissões do país. Em 2018, a Central de Sines foi responsável pela emissão de 7,4 milhões de toneladas de CO2 e a Central do Pego por 2,8 milhões de toneladas”.
Questionado sobre se o Executivo conseguirá, até ao final da legislatura, pôr fim à produção de eletricidade a partir do carvão, Francisco Ferreira, refere que, “em linha com duas decisões importantes tomadas em julho de 2019, a declaração de emergência climática aprovada na Assembleia da República e a publicação oficial, em Resolução de Conselho de Ministros, do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, que prevê o fim das centrais a carvão até 2030, a ZERO elogia o posicionamento do Governo, pois é realmente possível e imperativa uma abordagem faseada para o encerramento das centrais de Sines e Pego até ao final de 2023”.
“Os investimentos para a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renovável, tal como demonstrado através do recente leilão relativo a instalações centralizadas de produção a partir de energia solar, conseguirão assegurar uma fração progressivamente significativa da geração de eletricidade, com custos mais reduzidos para o consumidor e sem emissões diretas de GEE", diz Francisco Ferreira
A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) concorda com as datas de encerramento das centrais a carvão de Pego e de Sines, entre 2021 e 2023, respetivamente.
"A floresta pode ganhar aqui novo e interessante impulso"
Neste trabalho, em que se torna essencial a visão dos vários agentes envolvidos, O Instalador contactou igualmente as autarquias de Abrantes e Sines.
O presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos, afirma que a autarquia que lidera "está expectante relativamente à reconversão da produção de energia, substituindo o carvão pela biomassa, de acordo com o anúncio por parte da empresa" que gere a central do Pego (Tejo Energia). "A substituição do carvão pela biomassa pode ser uma boa solução, possibilitando que a central adquira uma nova fonte de energia, no caso mais limpa. Mas também porque a floresta pode ganhar aqui novo e interessante impulso", adianta.
"A Câmara de Abrantes tem um relacionamento institucional, mas também de muita proximidade com a empresa, desde o nascimento deste investimento no concelho de Abrantes. Não podia ser de outra forma. A Central do Pego é, neste momento, o maior produtor de eletricidade da Península Ibérica, com grande impacto social e económico no concelho de Abrantes e na região envolvente. Sobre esta questão em particular, temos tido várias reuniões de trabalho com a administração da Tejo Energia. Reuni também com o secretário de Estado da Energia sobre este assunto", confirma o edil.
Recorda que a 27 de setembro deste ano, a CIMT – Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo reuniu com a administração da Tejo Energia que "reafirmou a intenção dos acionistas desenvolver um projeto ambicioso do ponto de vista ambiental, económico e social. Nesse mesmo dia, com os meus colegas presidentes de câmara que integramos esta entidade intermunicipal, aprovamos, por unanimidade, uma recomendação ao Governo para que 'explore o potencial da proposta da Tejo Energia para conversão da atual central termoelétrica a carvão para resíduos florestais'. Nessa recomendação, todos nos mostrámos disponíveis para apoiar a dinamização de uma nova fileira económica de forma a valorizar os resíduos florestais na região e, consequentemente, diminuir o elevado risco de incêndio que regularmente fustiga os concelhos desta região", explica o autarca abrantino.
Manuel Jorge Valamatos garante também que a única opção em cima da mesa é a de exploração da biomassa.
Num momento em que a neutralidade carbónica é um fim coletivo que tem sido eleita como uma prioridade do país, questionámos o autarca sobre que medidas têm sido implementadas neste concelho do norte do Ribatejo em prol da sustentabilidade. Enumeramos algumas:
Em 2013 o Município celebrou um contrato de cedência de dois locais para instalação de duas unidades de minigeração com potência unitária de 20 kW a instalar no Estaleiro Municipal e na Piscina Municipal de Abrantes;
Instalação de variadores de velocidade em Piscina Municipal de Abrantes em parceria com a MT21;
Instalação de baterias de condensadores no Centro Escolar de Alferrarede, Edifício Paços do Concelho e Biblioteca Municipal em parceria com a MT21;
Substituição das luminárias no Pavilhão do Tramagal por luminárias LED, incluindo sistema de controlo em parceria com a MT21;
Substituição gradual da iluminação pública por luminárias LED, através de iniciativa municipal ou ao abrigo do contrato de concessão com a EDP Distribuição.
A curto/médio prazo está prevista a substituição das luminárias na Piscina Municipal de Abrantes por luminárias LED, incluindo sistema controlo e, em 2020, prevê-se propor a substituição da iluminação por projetores com tecnologia LED para o Campo Desportivo n.º2 em Abrantes e n.º3 em Rossio ao Sul do Tejo.
"É preciso acautelar o impacto social"
O Presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, começa por esclarecer que a primeira iniciativa da sua autarquia sobre o encerramento da central de Sines foi a de solicitar uma audiência "com caráter de urgência" ao secretário de Estado Adjunto e da Energia. "Naturalmente que consideramos a descarbonização da economia e a aposta nas energias alternativas uma prioridade, e queremos desde logo estar na dianteira da transformação do paradigma energético, mas o impacto social que a descontinuidade de uma unidade desta dimensão acarreta tem de ser acautelado".
Para Nuno Mascarenhas, o Governo, a Câmara Municipal e a própria EDP "devem estar envolvidos na elaboração de um plano de alternativas que contemple as várias dimensões desta decisão. Isso respeita ao emprego e à estabilidade das famílias e das empresas com as quais a central se relaciona. Da nossa parte existe total disponibilidade".
Sobre uma eventual alternativa para minimizar os impactos, o edil salienta que "esta matéria não compete ao município", no entanto, garante que "temos tido uma enorme procura para a fixação de investimentos em energias alternativas no nosso concelho, aproveitando a capacidade instalada da rede". "Temos, por exemplo, assinado um memorando de entendimento com uma empresa para a instalação de um novo parque eólico no concelho. Mas temos bastantes mais intenções".
Nuno Mascarenhas sublinha que, neste momento, "não há nada que justifique qualquer alarmismo". "O Governo, ao fazer este anúncio, terá ponderado as exigências de uma medida que vai muito além de uma decisão de gestão empresarial. Por isso mesmo, e porque achamos que devemos estar envolvidos, solicitámos uma audiência ao membro do Governo que tem a responsabilidade desta pasta".
Quanto ao tema da transição energética, o autarca diz que este "é-nos muito caro". E enumera algumas das medidas que o município de Sines tem tomado no caminho da transição energética e da economia verde: "temos acompanhado com muita proximidade os investimentos das empresas na área da sustentabilidade e da energia e procuramos que essa seja, cada vez mais, uma preocupação da comunidade. De há alguns anos a esta parte temos em curso um plano de educação ambiental, que visa sensibilizar os mais jovens, a partir das escolas, para a necessidade de mudarmos os nossos comportamentos individuais numa perspetiva coletiva. Temos, igualmente, um plano de mobilidade urbana sustentável que estamos a implementar, e todo o nosso planeamento urbano se encontra baseado numa carta de qualificação da cidade de Sines. Os investimentos de natureza urbana que estamos a fazer encontram-se, por isso, enquadrados numa estratégia mais global e cuja principal preocupação é a da sustentabilidade".
“O fim das cinzas volantes é para o setor um mal necessário”
João Duarte, Diretor Executivo da Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto (APEB), fala sobre o impacto do encerramento das centrais, nomeadamente, sobre as cinzas volantes e as consequências nas empresas do betão pronto.
O Instalador: Do ponto de vista ambiental, a APEB concorda com o encerramento das centrais elétricas. Pergunto-lhe se considera viável a transição destas centrais para outro modo de produção de energia elétrica, no caso, renovável. No Pego, Abrantes, por exemplo, há a intenção de vários agentes locais de avançar-se com uma central de Biomassa em substituição da de carvão.
João Duarte: A APEB é totalmente favorável ao encerramento das centrais termoelétricas. Acreditamos que o abandono da utilização de combustíveis fósseis e o caminho em direção à descarbonização é essencial, apesar de implicar uma alteração profunda ao modelo económico atual. A utilização de biomassa para a produção de energia nas centrais termoelétricas vai continuar a gerar cinzas volantes. Já há estudos experimentais que indicam que as cinzas volantes de biomassa podem ser utilizadas no fabrico do betão. No entanto, as cinzas volantes de biomassa não são todas iguais e ó poderão ser utilizadas as que demonstrarem aptidão face aos requisitos da norma portuguesa NP 4220 (Pozolanas para betão, argamassa e caldas - Definições, requisitos e verificação da conformidade). Se a curto/médio prazo as mesmas se mostrarem aptas, a indústria do betão pronto estará, certamente, recetiva a incorporá-las no seu processo. Contudo, há ainda que avaliar a quantidade de cinzas volantes de biomassa a ser disponibilizada no mercado para uma possível utilização industrial.
Falando concretamente das cinzas volantes e dos impactos para a indústria do betão pronto. Já manifestou publicamente que haverá perdas para as empresas, tendo em conta uma redução da matéria-prima disponível, nomeadamente para as estruturas de betão armado. De que forma as empresas vão fazer face a este problema, que constrangimentos económicos trará para o setor e de que forma é que a durabilidade dos projetos pode ser assegurada no futuro?
No imediato as perdas para as empresas prendem-se com o facto de que a maior parte dos projetos não contempla a possibilidade de utilizar betão sem cinzas volantes. Os fornecimentos para as obras em curso foram negociados numa época em que não se discutia ainda o fim das cinzas volantes. Agora, e face à nova realidade, uma vez que já tivemos períodos de indisponibilidade de cinzas volantes, verifica-se um aumento no custo do betão que se repercute na cadeia de fornecimento produtor/construtor/cliente final. Este aumento resulta da necessidade de utilizar apenas cimento como ligante e numa dosagem maior, e de o cimento ser substancialmente mais caro do que as cinzas volantes. Esta situação está a ser difícil de gerir pelas empresas de betão pronto porque os seus clientes não querem suportar o sobrecusto. No futuro, num cenário em que os projetos são calculados já sem considerar as cinzas volantes, isso não se vai verificar. O betão terá um preço mais elevado, mas na fase de projeto podem conseguir-se economias relacionadas com o aumento da resistência do betão, o que possibilita reduções nas secções e na quantidade de armaduras aço.
Não havendo atualmente um produto substituto das cinzas volantes, dificilmente, nestas condições, em que se encontra disponível nas centrais, se obterá a matéria-prima tão rapidamente. É um problema a curto prazo?
Tal como para as cinzas volantes de biomassa, tem havido alguns estudos experimentais com outros produtos alternativos (p.e.: cinzas da casca de arroz; metacaulino; pozolanas naturais). Os problemas que se levantam são os mesmos. Qualquer produto alternativo tem de satisfazer os requisitos da norma vigente. A importação de cinzas volantes de carvão também poderia ser uma solução. Não obstante o facto de a produção de energia a partir do carvão esteja, na União Europeia, limitada no tempo, é provável que outros países em desenvolvimento ainda mantenham as suas centrais termoelétricas em funcionamento por mais umas dezenas de anos. Porém, para poderem ser utilizadas em Portugal, essas cinzas volantes devem apresentar a marcação CE de acordo com a norma europeia EN 450-1. Por outro lado, calcula-se que os custos de transporte implicados na importação de cinzas volantes sejam demasiado elevados para manter o produto rentável.
De que forma a APEB irá ajudar as empresas do setor e aconselhá-las? Já tiveram pedidos neste sentido até ao momento?
A APEB quer ajudar as empresas, faz parte dos nossos objetivos e missão, não só as de betão pronto, mas também de construção. Além de aconselhamento em diversas áreas, damos também formação. Exemplo disso é a sessão de esclarecimento, que realizámos no dia 19 de novembro em conjunto com a Região Sul da Ordem dos Engenheiros (Colégio de Engenharia Civil). Com este evento conseguimos chegar diretamente a engenheiros e projetistas e avançar com este trabalho de sensibilização. Já tivemos diversos pedidos e estamos disponíveis e empenhados em contribuir para que o País possa ultrapassar este problema a curto/médio prazo.
Em termos de conversações com o Governo, nomeadamente com a Secretaria de Estado da Energia, é intenção da APEB iniciar algum diálogo no sentido de alertar para os problemas do setor do betão pronto relativamente a esta questão?
O fim das cinzas volantes, enquanto consequência do encerramento das centrais termoelétricas alimentadas a carvão, é para o setor um mal necessário. O setor do betão pronto coloca o ambiente e a saúde em primeiro lugar. Apoiamos a aposta do Governo em fontes de energia renováveis.
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