A água, tão preciosa, sem cor, sem cheiro, cristalina, que vive dentro da gente, respira em nosso corpo e evapora no ar. Formando nuvens de amor de onde cai a chuva para enverdecer as matas, crescer os brotos; as flores para perfumar o universo e alimentar as abelhas que fazem o doce mel; e as frutas para alimentar os pássaros e outros animais.
O mato traz sombra e vitamina para terra e os rios que correm dentro do corpo da terra, como o sangue em nossas veias.
Mas a maldade cruel faz o fogo da morte passar no corpo da terra, secando suas veias. O ardume do fogo torra sua pele. A mata chora e depois morre. O veneno intoxica. O lixo sufoca. A pisada do boi magoa o solo. O trator revira a terra.
Fora de nossas terras ouvimos seu choro e sua morte sem termos como socorrer a Vida.
Chegou a hora de defender a vida do fogo da morte.
Excerto da “Carta de Compromisso de Yvy Poty em Defesa da Vida, Terra e Futuro” (Povo Guarani), 2017
Os rios não são só cursos naturais de água. Eles são ecossistemas importantíssimos que alimentam outros ecossistemas. São como veias que levam a vitalidade ao resto do corpo. E onde o fluxo falha, a vida perece. De igual modo, alimentos infectados que entram na rede vital contaminam o resto do organismo ou a cadeia trófica. Por conseguinte, a poluição dos rios afeta o equilíbrio natural, e dependendo da concentração e da toxicidade para a vida, pode levar desde a morte de alguns indivíduos até à destruição de todo o ecossistema por onde o rio corre. A fonte que alimentava a vida pode transformar-se no anjo da morte, um subproduto da arrogância de uma elite de uma espécie, que se acha no direito de subjugar e maltratar todas as outras, bem como os rios, as florestas e os mares.
As Veias da Terra
A ideia de que os rios são as veias da Terra existe em diferentes geografias, culturas e épocas. Um dos maiores sábios que floresceu no seio da Humanidade foi Leonardo Da Vinci.
A sua capacidade de ver mais além do que o comum dos mortais levou-o ao grande axioma hermético, o princípio da correspondência, que existe entre dimensões e aspectos da vida. A analogia entre um organismo e a Natureza, mais precisamente, entre o funcionamento de um corpo humano e a Terra, é retratada, segundo a obra “A Alma de Leonardo Da Vinci”, de Fritjof Capra, da seguinte maneira: Podemos, pois, dizer que a Terra possui uma força vital de crescimento e que sua carne é o solo; seus ossos são os estratos sucessivos de rochas que formam as montanhas; sua cartilagem é a pedra porosa; seu sangue é a rede de veias de água.
O lago de sangue em volta do coração é o oceano. Sua respiração é o aumento e a diminuição do sangue nos pulsos, assim como, na Terra, é a subida e a descida das marés. Estas conclusões remetem também para a Terra como organismo vivo, mais tarde fundamentada cientificamente através da Teoria de Gaia, também conhecida por Hipótese biogeoquímica de James Lovelock e Lynn Margulis.
A Terra é um complexo sistema, cuja a água é peça fundamental para a vida. Assim, os rios saudáveis são os canais de vitalidade da Terra. Transportam água e sedimentos ricos em nutrientes e minerais.
Quando falamos de rios, estamos a falar das suas bacias hidrográficas, das zonas ripícolas, das correntes de águas subterrâneas, das quedas de água de montanha, dos deltas e estuários, dos “rios aéreos”, das lagoas, dos pântanos e planícies aluviais, das florestas envolventes e da enorme biodiversidade que apresentam e sustentam. As águas estuarinas, devido ao manancial de nutrientes, são das zonas mais produtivas do planeta. São autênticos berçários para muitas espécies de peixes e estações de serviço para imensas aves migratórias.
O Homem e os Rios
O ser humano teve ao longo da sua história preferência por locais junto aos rios. Isto porque eles fornecem uma série de serviços importantes para nós: água potável, peixe, transporte, materiais de construção, fertilizantes, etc. As suas águas abastecem cidades, agricultura e indústria.
Servem para arrefecer centrais termoelétricas e nucleares, produzir energia através das barragens ou simplesmente eliminar efluentes da atividade industrial e doméstica. E aqui começam os problemas: a destruição das zonas ripícolas para dar origem a grandes áreas urbanas e industriais, agravada pelos constantes despejos de poluentes nos rios. O belo curso de água cristalino, onde a vida pulava em inúmeras formas, tornou-se escuro, nauseabundo e morto. Foi-se o ecossistema e surgiram problemas de saúde pública relacionados com o estado dos rios.
Para solucionar estas questões foram criadas normas legais, tecnologias de tratamento de efluentes, despoluição dos rios e sua renaturalização. Hoje já se assiste aos desmantelamento de barragens em várias partes do globo e muitas margens dos rios, outrora aprisionadas pelo betão, estão a ser requalificadas no sentido de restaurar o ecossistema original. Depois da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, organização anterior à União Europeia, as questões ambientais tiveram um relevo especial.
Deu-se a esverdeamento da política, isto é, as políticas de todos os sectores tinham de estar de acordo com certas normas ambientais. A poluição dos rios passou a ser vista como um mal a evitar e a corrigir. Houve efetivos esforços na sua recuperação e muitos deles voltaram a saborear a vida, pelo menos em alguns troços. Foi maravilhoso rever fauna em locais onde já não se avistava há décadas. Estávamos num período de evolução nas questões ambientais, não fossem as insistentes construções, em contraciclo, de barragens em rios ainda puros como o Sabor, considerado na altura como um dos mais selvagens da Europa.
A crise financeira e económica, que se fez sentir mais a partir de 2007, veio alterar o panorama em Portugal. O Ambiente deixou de estar na agenda política e o que interessava mais era reverter a crise. Os governos tornaram-se permissivos com os prevaricadores e os rios, salvo raras exceções, voltaram às notícias pelas piores razões. O Tejo foi o mais badalado.
A Poluição do Tejo
O maior rio da Península Ibérica tem sido alvo de frequentes focos de poluição, cada vez mais graves, e os infratores são bem conhecidos. Os alertas constantes do “Guardião do Tejo”, Arlindo Marques, e a deteção, a 24 de janeiro passado, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, de uma carga poluente cinco mil vezes superior ao normal, proveniente das descargas da indústria da pasta de papel, não deixa margem para dúvidas.
Não são os único poluidores, mas são aqueles que causam maior impacte. Curiosamente, o Princípio Poluidor-Pagador não se aplicar aqui, porque vai ser o Fundo Ambiental a financiar a limpeza orçamentada em 1,5 milhões de euros. As empresas de celulose destroem as nossas florestas, com o incentivo à monocultura inflamável de eucalipto, poluem os rios, e a fatura dos incêndios e da despoluição somos nós que a pagamos?
E a descaradeza da Celtejo - empresa de celulose do Grupo Altri - em reclamar 250 mil euros por “difamação” num processo interposto em Tribunal contra o “Guardião do Tejo”, precisamente por este ter alertado para a origem da poluição? Querem calar os ambientalistas? Arlindo Marques fez o papel que competia ao Estado - a defesa do nosso património natural. Mas de que Estado estamos a falar?
O que olha para o lado, perante sistemáticos abusos e só intervém quando os media publicam? Ou o Estado que deveria obrigar o infrator a despoluir em vez de custear essa ação? Mas os problemas não acabam aqui. O Governo pretende depositar, mesmo que temporariamente, as lamas poluidas retiradas do rio Tejo, em plena zona protegida, nas proximidades do Monumento Natural das Portas de Ródão, contrariando mesmo o decreto referente à área que proíbe qualquer depósito de resíduos.
(continua)
Artigo publicado na edição impressa de Abril de 2018.
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