Efcis - Comércio Internacional, S.A.
Informação profissional do setor das instalações em Portugal

«Terá de haver rapidamente uma revisão dos requisitos de projeto face às alterações climáticas»

Entrevista e Fotos: Ana Clara22/10/2019

João Hormigo, presidente da Associação Portuguesa de Facility Management (APFM), fala da importância da gestão de edifícios e dos espaços de escritórios. O responsável analisa ainda o futuro do Facility Management (FM), com destaque para a tecnologia, sustentabilidade, arquitetura e a nova realidade das alterações climáticas. «As empresas têm que alinhar pelas melhores práticas e já estão a adotar, a nível dos edifícios, a sensorização crescente nos equipamentos», vinca.

João Hormigo
João Hormigo

Fale-me um pouco da criação da APFM e dos objetivos a que se propõe a associação.

João Hormigo: A APFM foi criada em junho de 2006. Eu tomei posse em março de 2019 para um mandato de três anos.

Quais são os seus principais objetivos para estes três anos em termos de trabalho da associação?

Em primeiro lugar, é importante referir que há uma continuidade no trabalho desenvolvido, tendo em conta que eu era vice-presidente na anterior direção, o que significa um alinhamento com a condução da associação. Pese embora sermos todos diferentes, na verdade quero continuar o trabalho feito até agora e que assenta em três vertentes na linha do que foi feito anteriormente.

Quais são essas vertentes?

Uma delas passa pela divulgação da associação. Temos trabalhado diversas áreas, desde o site, com novas e mais ferramentas de informação, que nos ajudam a melhorar a nossa comunicação junto do setor e dos outros profissionais que necessitam de informação sobre temas da área do FM. Outra vertente prende-se com uma forte aposta na produção de documentação técnica, nomeadamente o apoio ao Instituto Português de Qualidade (IPQ) para a produção de documentação de normas nesta área. Com a anterior presidência – e ainda hoje – estava a dirigir esse grupo. Falo da Comissão Técnica 192 junto do IPQ, sendo que a sua missão passa por elaborar as versões portuguesas das normas europeias – trabalho já realizado com a excelente colaboração de uma vasta equipa de profissionais de diversos setores e que atualmente está a produzir as versões em português das normas ISO. É um aspeto muito importante, porque se trata da regulamentação de uma atividade com importância económica, que se vai expandir e que necessita de adoptar as boas práticas que as normas introduzem.

A terceira vertente deduzo que seja a da Formação.

Sem dúvida. E destaco a criação de uma pós-graduação numa escola pública, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, onde sou professor. Trata-se de um curso de 480 horas letivas, presenciais, durante um ano. Paralelamente temos feito, com alguma regularidade, pequenas formações, muito focadas em módulos – de 12, 16 horas – com temas muito específicos. E fazemos igualmente sessões de esclarecimento na associação, com temas precisos, que consideramos de interesse para os associados e profissionais da área do FM: gestão de contratos, eficiência energética, normalização em FM, contratação, manutenção de edifícios, sensorização de edifícios, BIM, entre outros temas. O objetivo destas sessões visa atrair associados, outros profissionais e partilhar experiências. Para além disso, temos feito com os nossos parceiros, uma análise comparativa de indicadores, no sentido de saber qual o cenário nacional sobre o FM. Se perguntar a alguns gestores, qual o custo de exploração anual por posto de trabalho, de uma instalação, considerando custos com água, electricidade, gás, limpeza, segurança, manutenção, ETC., e como se comparam esses custos da sua organização, com as congéneres, é provável que não obtenha resposta assertiva.
Imagen

Falando da gestão integrada de edifícios e de locais e ambientes de trabalho, em que ponto é que Portugal se encontra e que modelos europeus são exemplos a seguir?

Portugal neste aspeto e referindo-me apenas a edifícios de serviços – sejam hospitalares, escritórios, etc. – diria que há empresas que já fizeram e outras que estão a fazer um salto qualitativo.

Grandes empresas?

Falo basicamente de empresas multinacionais. E estas já perceberam que têm que alinhar pelas melhores práticas e já estão a adotar, a nível dos edifícios, a sensorização crescente nos equipamentos. A gestão das infraestruturas é feita com base na monitorização em tempo real de um conjunto de parâmetros que os próprios equipamentos indicam, no sentido de se perceber, perante um determinado equipamento, se o desempenho está como devia ou se é inferior ao esperado.

E isso melhora imenso a questão das poupanças e consumos, no fundo a tal gestão.

Sim, sem dúvida. Ou seja, o que se pretende é que não haja falhas funcionais nos equipamentos. Nós queremos atuar quando existir uma falha potencial, quando o desempenho for inferior ao esperado, abaixo de um determinado nível, ou seja, quando se começa a detetar a chamada falha potencial. E é nessa fase que devemos intervir. E vamos repor as condições normais de funcionamento do equipamento, sem deixar que ocorra uma falha funcional. Este é um caminho, que é técnico mas que diz respeito à qualidade de vida dos ocupantes, pois falhas em infraestruturas de suporte afetam a funcionalidade das instalações e consequentemente o bem estar dos ocupantes.

A análise de todos os parâmetros é, pois, essencial.

É fundamental. Para além disto, e já se faz em Portugal e noutros países, a instalação em espaços (nos pilares, vigas, tetos, etc.) de sensores que medem um conjunto de parâmetros em tempo real (temperatura, humidade relativa, dióxido de carbono, monóxido de carbono, partículas em suspensão, COV’s, ….), e que, independentemente da análise periódica da qualidade do ar, mais sofisticada e abrangente que é preciso fazer, por exigências legais, permitem que fiquemos a saber, em tempo real, os valores dos parâmetros de funcionamento no interior do espaço. E podemos intervir nos sistemas de AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) se necessário, para repor os parâmetros desejados. E isto é importante, sobretudo para as pessoas, que exigem cada vez mais qualidade dos espaços onde trabalham. Adicionalmente, e aproveitando a oportunidade, gostava de falar do BIM – Building Information Modeling – basicamente uma representação tridimensional e virtual do edifício, com todas as suas componentes: arquitetura, estrutura e especialidades.

Uma ferramenta muito importante nesta questão da gestão de edifícios e cada vez mais usada.

Falamos de uma ferramenta que é presente e obrigatória a nível de projeto, em alguns países e que será, sem dúvida, generalizada no futuro. O que é que as organizações mais robustas fazem? Estão a fazer a modelação em BIM dos seus edifícios e estão a ligar essa modelação a um conjunto de identificadores nos equipamentos. Ou seja, ligam a modelação 3D à exploração/manutenção do edifício, aplicando a realidade aumentada. E é uma prática que os grandes promotores de imobiliário, internacionais, já requerem.

Quais são as principais vantagens que destaca?

Seja num hospital, numa escola ou escritório, nós queremos que as pessoas sintam um ambiente confortável. E numa instalação industrial, que produzam com qualidade, com zero defeitos, com zero desperdícios, com zero acidentes, e que estejam felizes no posto de trabalho

Tem várias. Mas, começando pela fase de projeto: os projetos das várias especialidades podem ser compatibilizados entre si. E com módulos BIM adequados detetam-se colisões entre projetos. O BIM tem a vantagem de tornar os projetos mais colaborativos, minimizar incompatibilidades entre projetos das várias especialidades, agilizar toda a obra, sobretudo evitando erros na execução, paragens para tomada de decisão face a omissões de projeto, e facilitando a fase de exploração.

Isso resolve muitos problemas.

Sem dúvida. Agiliza intervenções de reabilitação, de alteração de uso, adaptação de instalações, melhorias, intervenções em redes de águas e esgotos, etc. É certo que pode ser mais dispendioso a nível de projeto, mas na fase de execução permite maior rapidez, reduzem-se as incompatibilidades entre especialidades, e minimizam-se derrapagens de custos de execução.

E na fase de exploração?

Na fase de exploração, nomeadamente na área de manutenção, temos o rastreio tridimensional do edifício, é possível visualizar as infraestruturas de suporte, e permite com base na realidade aumentada, realizar as operações de manutenção, de uma forma muito mais rápida. Repare, eu não preciso do técnico que conheça profundamente a instalação, porque um técnico qualificado de uma determinada área desloca-se ao local, visualiza o equipamento a intervencionar, em 3D, tem o suporte da lista de operações a executar e sabe portanto o que tem de fazer. Falamos portanto de uma modelação virtual, que representa uma tecnologia muito mais forte e impactante do que a passagem da representação em papel para o AutoCAD. O BIM vai ser o futuro. Não tenho a menor dúvida disso. E em Portugal tal não será exceção.

Mas em Portugal ainda falta fazer um caminho nesta matéria.

Em Portugal, a crise económica atingiu também muitos gabinetes de projeto, e muitos destes gabinetes tiveram de se projetar para a Europa e para outras geografias. Esses gabinetes atualmente trabalham em BIM. Há empresas que fazem formação em BIM e é importante que os profissionais projetistas, diretores de obra, e responsáveis pela gestão e exploração, mesmo que não aprendam a trabalhar em BIM, o conheçam, e percebam as suas potencialidades e os benefícios que pode aportar. Há uma Comissão Técnica instituída, através do IPQ, que já lançou um Guião sobre BIM. Além disso, espera-se que em breve seja editada uma norma portuguesa sobre BIM. A nível internacional há um conjunto vasto de publicações disponíveis. Por fim, é importante que as pessoas percebam que há um investimento na fase de projeto que se reflete na construção, com menor número de resolução de incompatibilidades entre especialidades em fase de obra. Na fase de exploração do edifício, as debilidades detetadas serão reduzidas havendo portanto vantagens na aplicação do BIM.

Nesta área da gestão de edifícios e ambientes de trabalho, a APFM coloca as pessoas no centro de tudo. Foi esse o mote para as Jornadas APFM (“A new life inside”). São as pessoas quem também irão impulsionar esta área?

Sem dúvida. O redesenho no interior dos escritórios tem que ver com as pessoas. E nós na associação tivemos a preocupação desde a primeira hora com esta questão. Aliás, como bem diz, o mote das Jornadas foi esse mesmo: “A new life inside”. Seja num hospital, numa escola ou num escritório, nós queremos que as pessoas sintam um ambiente confortável. E numa instalação industrial, que produzam com qualidade, com zero defeitos, com zero desperdícios, com zero acidentes, e que estejam felizes no posto de trabalho.
Imagen

Nesta matéria, a gestão financeira e ambiental dos escritórios é essencial.

Temos Diretivas Europeias, nomeadamente a Diretiva 31 de 2010, uma Diretiva que vem introduzir um conceito novo que é de edifício NZEB (edifícios com necessidades quase nulas de energia) e essa Diretiva foi transposta para o Decreto 118, de 2013 A partir de 2020, quer edifícios novos quer reabilitados, públicos ou privados, devem ser edifícios com um consumo energético tendencialmente nulo, considerando um ciclo anual.

Mas foi uma meta muito ambiciosa…

Para se conseguir um edifício de consumo quase nulo, é fundamental, em primeiro lugar, que a arquitetura seja tida como um elemento prioritário, com o estudo da orientação solar, do sombreamento das fachadas, da escolha dos materiais a utilizar, que reserve espaço disponível para colocar o solar fotovoltaico, o solar térmico, que avalie a geotermia, etc., se for vantajoso. Ou seja, há um conjunto de opções técnicas que devem ser ponderadas na fase de estudo prévio, de anteprojeto e de projeto. Pese embora esforços desenvolvidos, com o objetivo da melhoria da eficiência energética dos edifícios, em Portugal não conheço nenhum edifício que seja um nZEB (net zero energy building), isto é, que seja um edifício com um balanço energético nulo num ciclo anual.

Isto é ao nível da eficiência energética dos edifícios. E ao nível dos resíduos?

A nível dos resíduos, penso que as coisas estão relativamente organizadas. A taxa de sucesso de reciclagem e reutilização tem, apesar de tudo, bons índices, há uma consciência ambiental mais desenvolvida, e é fundamental que caminhemos cada vez mais para uma economia circular, com reutilização mais intensiva e incorporação de materiais resultantes de processos de demolição, em novos materiais. Penso que se pode reutilizar muito mais, principalmente reutilizar os materiais resultantes de demolições de edifícios na incorporação de novos materiais, em construções geograficamente próximas. Ainda relativamente à eficiência energética, gostava de dizer que os consumos energéticos têm que ser registados no portal da Direção Geral de Energia e Geologia, (as empresas têm que registar lá os consumos), e além disso, a ADENE – Agência para a Energia olha para estas coisas com preocupação. Contudo, é preciso que quem constrói – maioritariamente o setor privado – tome consciência da necessidade de ter um maior cuidado a nível da execução dos projetos. O projeto de execução tem que ser mais assertivo, mais preocupado com aspetos de eficiência energética e ambientais, para se evitarem medidas de melhoria pós execução. Portugal, não estando no topo da consciência ambiental, tem vindo a revelar, em muitos setores da sociedade, preocupação com estas temáticas. Constato o que referi pelo número e qualidade dos congressos onde tenho participado e pelas teses que me chegam a nível académico. Há, de facto, uma preocupação em apresentar trabalhos em linha com estas preocupações. E volto a dizer, como leit motiv do FM: o foco tem de estar centrado nas pessoas. O maior ativo de uma empresa são as pessoas. E é importante que os técnicos responsáveis façam formação regular, se atualizem e estudem durante toda a sua vida útil.

A nível de projeção a 10, 15 anos, a tecnologia crescente nos edifícios vai ser imparável, a gestão vai ter ferramentas cada vez mais sofisticadas, cada vez mais em tempo real. Vai haver uma sofisticação tecnológica crescente com base na IoT e o gestor vai ter cada vez mais ferramentas para tomar decisões fundamentadas, em tempo real

Onde vamos estar daqui a 10 anos nesta matéria?

A nível de projeção a 10, 15 anos, a tecnologia crescente nos edifícios vai ser imparável, a gestão vai ter ferramentas cada vez mais sofisticadas, cada vez mais em tempo real. Vai haver uma sofisticação tecnológica crescente com base na IoT e o gestor vai ter cada vez mais ferramentas para tomar decisões fundamentadas, em tempo real. Por outro lado, vai haver também a necessidade de os gestores terem uma formação adequada, muito mais especializada. Os escritórios vão ser totalmente diferentes do que conhecemos hoje. Vão ser escritórios “fora da caixa”, até porque a geração que está a chegar ao mercado de trabalho tem uma outra filosofia de trabalho. Desde a iluminação à qualidade do ar, a espaços de lazer, a ideia é que as pessoas se sintam bem. Vamos ter espaços multiculturais, muito mais apelativos. O escritório tradicional de mesa e cadeira vai acabar. Acho que o teletrabalho também se vai implementar, por várias razões, incluindo as económicas.

Que mensagem final gostaria de deixar ao setor e ao mercado?

Venham à associação e aos nossos workshops, frequentem os cursos de formação. Esta é uma área multidisciplinar e que toca várias vertentes. E todo o FM assenta no bem estar das pessoas, seja num hospital, numa escola ou num escritório. Por fim, gostava de dizer que terá de haver rapidamente uma revisão dos requisitos de projeto face às alterações climáticas. Temos fenómenos extremos cada vez mais frequentes, muito localizados, cuja previsão de localização é extremamente complicada. Este novo cenário obriga a que tenhamos que projetar e executar para um regime de ventos excecionais e/ou de chuvas torrenciais. A título de exemplo simples, vamos ter que fazer o reforço das fixações de equipamentos nas coberturas para ventos excecionais. Já estamos a fazer exercícios no sentido de considerar ventos com velocidades de 180 a 200 km/h e não o vento regulamentar de 120 km/h. Ou seja, é fulcral atuar na prevenção, redesenhando os critérios de projeto. Por outro lado, a nível de climatização, a ocorrência de temperaturas extremas em zonas tradicionalmente “temperadas”, obriga a que o projetista reveja os critérios de projecto que adopta, indo além dos mínimos regulamentares. O que referi quanto ao critério “velocidade do vento”, aplica-se ao projeto de torres de suporte dos geradores eólicos industriais, e aos apoios de linhas de média e de alta tensão.

foto

REVISTAS

VulcanoInduglobal - Encontros ProfissionaisSiga-nosLisboa Feiras, Congressos e Eventos / Associação Empresarial (Smart Cities Summit - Fil - Tektónica)Profei, S.L.

Media Partners

NEWSLETTERS

  • Newsletter O Instalador

    25/03/2024

  • Newsletter O Instalador

    18/03/2024

Subscrever gratuitamente a Newsletter semanal - Ver exemplo

Password

Marcar todos

Autorizo o envio de newsletters e informações de interempresas.net

Autorizo o envio de comunicações de terceiros via interempresas.net

Li e aceito as condições do Aviso legal e da Política de Proteção de Dados

Responsable: Interempresas Media, S.L.U. Finalidades: Assinatura da(s) nossa(s) newsletter(s). Gerenciamento de contas de usuários. Envio de e-mails relacionados a ele ou relacionados a interesses semelhantes ou associados.Conservação: durante o relacionamento com você, ou enquanto for necessário para realizar os propósitos especificados. Atribuição: Os dados podem ser transferidos para outras empresas do grupo por motivos de gestão interna. Derechos: Acceso, rectificación, oposición, supresión, portabilidad, limitación del tratatamiento y decisiones automatizadas: entre em contato com nosso DPO. Si considera que el tratamiento no se ajusta a la normativa vigente, puede presentar reclamación ante la AEPD. Mais informação: Política de Proteção de Dados

www.oinstalador.com

O Instalador - Informação profissional do setor das instalações em Portugal

Estatuto Editorial